Inspirado em eventos reais que envolvem a intrigante história do impostor francês Frédéric Bourdin, que assumiu mais de 500 identidades, incluindo a de crianças desaparecidas, “A Próxima Pele” surge como uma obra que desafia a percepção do público e flerta com os limites da identidade e da memória. Este thriller psicológico dirigido por Isa Campo e Isaki Lacuesta é uma joia subestimada no cinema espanhol, frequentemente ignorada devido a uma divulgação que não fez jus à sua complexidade. A narrativa cativa e mantém o espectador preso a cada detalhe, graças, em grande parte, à atuação magnética de Àlex Monner, que personifica a ambiguidade de seu personagem com maestria.
Monner vive Léo, ou talvez Gabriel, um jovem cuja identidade permanece envolta em mistério até o desfecho. Encontrado em um orfanato na França, ele é identificado como Gabriel, desaparecido há oito anos nos Pirineus, uma região montanhosa e isolada. Anna (Emma Suárez), sua suposta mãe, viaja para buscá-lo acompanhada de Enric (Sergi López), amigo íntimo da família. O pano de fundo de seu desaparecimento é um evento trágico e nebuloso: durante uma caça nas montanhas, o pai de Gabriel morre em circunstâncias pouco esclarecidas, e o menino desaparece sem deixar rastro. Enric busca-o por dias nas geladas montanhas, mas o reencontro só ocorre anos depois, em circunstâncias igualmente misteriosas.
Antes de seu retorno, o assistente social informa que, de acordo com as leis francesas, exames de DNA são dispensáveis quando há reconhecimento mútuo entre a criança e a família. Como Anna não manifesta dúvidas, Gabriel retorna ao convívio familiar, mesmo sofrendo de amnésia dissociativa, incapaz de recordar sua infância ou detalhes sobre o pai. O jovem parece interpretar seu papel com habilidade: finge reconhecer pessoas e situações, enquanto em momentos de solidão lida com crises de ansiedade e automutilação.
A chegada de Gabriel abala a pequena comunidade, onde ele rapidamente se torna uma figura central. Idolatrado por jovens e mimado pelos mais velhos, o adolescente conquista a todos com suas histórias fabulosas sobre viagens e experiências profissionais, mesmo que tudo indique serem mentiras. Enric, porém, mantém suas reservas. Envolvido com Anna há anos, ele desconfia que o rapaz seja um farsante manipulando a família. A desconfiança de Enric encontra eco no público, que oscila entre acreditar ou duvidar de Gabriel. Como ele sabe tantos detalhes pessoais, como a decoração do quarto ou a queimadura nas costas? Será que ele cruzou com o verdadeiro Gabriel ou apenas criou uma teia de mentiras convincentes?
A dinâmica familiar se torna ainda mais tensa quando Gabriel descobre o caso de Enric com Anna. Em um confronto direto, o adolescente desafia Enric com a frase: “Eu não conto, se você não contar”. A tensão alcança um novo patamar, levantando questões inquietantes: qual segredo Gabriel guarda? Estaria relacionado à sua verdadeira identidade ou ao que realmente aconteceu naquela fatídica caçada?
Campo e Lacuesta estreiam na direção demonstrando habilidade em criar um suspense denso e emocionalmente carregado. O filme guia o público por uma jornada onde cada revelação se desenrola como uma peça de um quebra-cabeça intrigante. “A Próxima Pele” não é apenas uma história sobre identidade, mas uma exploração profunda das relações familiares e dos segredos que podem moldar — ou destruir — vidas inteiras.
★★★★★★★★★★