Uma aula de história, drama uruguaio finalista ao Oscar é viagem dolorosa e brutal a um passado não muito distante, na Netflix Divulgação / Tornasol Films

Uma aula de história, drama uruguaio finalista ao Oscar é viagem dolorosa e brutal a um passado não muito distante, na Netflix

 As ditaduras militares que se instauraram na América do Sul durante as décadas passadas deixaram um legado sombrio de repressão, cada país aplicando métodos particulares de opressão para aniquilar a dissidência. No Brasil, a tortura foi institucionalizada, enquanto no Chile, desaparecimentos forçados se tornaram uma constante ameaça. Na Argentina, execuções extrajudiciais mancharam a história, e no Uruguai, o aprisionamento em massa de opositores políticos resultou na maior proporção de prisioneiros per capita no continente. Dentre esses presos, cerca de cem sucumbiram às condições sub-humanas nas penitenciárias.

Presos em 1972 e submetidos a isolamento absoluto a partir de 1973, os três foram tratados como reféns do Estado. Distantes de suas famílias e desconectados do mundo, enfrentaram anos de completa alienação. Brechner traduz para a tela essa experiência de forma visceral, conduzindo o espectador pelas profundezas psicológicas de homens reduzidos ao limite da resistência. A trama revela não só o impacto das condições físicas deploráveis, mas a luta para preservar a sanidade frente à tortura silenciosa do confinamento.

A narrativa, permeada por uma atmosfera sufocante, destaca como a linha entre a realidade e a alucinação se desmancha à medida que os anos de encarceramento se arrastam. Por meio de flashbacks e devaneios, o filme oferece um vislumbre das memórias que sustentam os prisioneiros, suas lutas internas e o esforço contínuo para manter intacta a essência de sua humanidade. Em vez de explorar a brutalidade explícita, Brechner opta por uma abordagem psicológica, focando na solidão, na escuridão das celas e na degradação das condições de vida. Essa escolha amplifica a tensão, demonstrando que a ausência de violência física explícita não suaviza o terror — pelo contrário, intensifica a agonia mental.

O elenco é um ponto alto, com Antonio de la Torre no papel de Mujica. Sua atuação transmite a complexidade de um homem lutando para não ser consumido pela insanidade, enquanto revive lembranças dolorosas. Rosencof, representado como um jornalista e poeta separado de sua família, encontra na imaginação uma válvula de escape. Huidobro, por sua vez, recorre a lembranças de momentos felizes para resistir à corrosão mental. Juntos, esses personagens retratam a devastação e a resiliência, humanizando uma luta travada em condições quase inimagináveis.

Essa convivência forçada com o próprio subconsciente transforma profundamente cada prisioneiro. Mujica, Rosencof e Huidobro são libertados em 1985, quando o regime ditatorial chega ao fim. Mujica e Huidobro seguem carreiras políticas, mantendo viva a chama do idealismo socialista, enquanto Rosencof retoma sua trajetória jornalística e como dramaturgo. “Uma Noite de 12 Anos” transcende o simples relato histórico. É um manifesto sobre a resistência humana, uma homenagem à força interior capaz de desafiar as condições mais adversas, ressaltando a eterna busca pela dignidade e liberdade em meio à escuridão.

Filme: A Noite de 12 Anos
Diretor: Álvaro Brechner
Ano: 2018
Gênero: Biografia/Drama/Policial
Avaliaçao: 9/10 1 1
★★★★★★★★★