As ditaduras militares que se instauraram na América do Sul durante as décadas passadas deixaram um legado sombrio de repressão, cada país aplicando métodos particulares de opressão para aniquilar a dissidência. No Brasil, a tortura foi institucionalizada, enquanto no Chile, desaparecimentos forçados se tornaram uma constante ameaça. Na Argentina, execuções extrajudiciais mancharam a história, e no Uruguai, o aprisionamento em massa de opositores políticos resultou na maior proporção de prisioneiros per capita no continente. Dentre esses presos, cerca de cem sucumbiram às condições sub-humanas nas penitenciárias.
Presos em 1972 e submetidos a isolamento absoluto a partir de 1973, os três foram tratados como reféns do Estado. Distantes de suas famílias e desconectados do mundo, enfrentaram anos de completa alienação. Brechner traduz para a tela essa experiência de forma visceral, conduzindo o espectador pelas profundezas psicológicas de homens reduzidos ao limite da resistência. A trama revela não só o impacto das condições físicas deploráveis, mas a luta para preservar a sanidade frente à tortura silenciosa do confinamento.
A narrativa, permeada por uma atmosfera sufocante, destaca como a linha entre a realidade e a alucinação se desmancha à medida que os anos de encarceramento se arrastam. Por meio de flashbacks e devaneios, o filme oferece um vislumbre das memórias que sustentam os prisioneiros, suas lutas internas e o esforço contínuo para manter intacta a essência de sua humanidade. Em vez de explorar a brutalidade explícita, Brechner opta por uma abordagem psicológica, focando na solidão, na escuridão das celas e na degradação das condições de vida. Essa escolha amplifica a tensão, demonstrando que a ausência de violência física explícita não suaviza o terror — pelo contrário, intensifica a agonia mental.
O elenco é um ponto alto, com Antonio de la Torre no papel de Mujica. Sua atuação transmite a complexidade de um homem lutando para não ser consumido pela insanidade, enquanto revive lembranças dolorosas. Rosencof, representado como um jornalista e poeta separado de sua família, encontra na imaginação uma válvula de escape. Huidobro, por sua vez, recorre a lembranças de momentos felizes para resistir à corrosão mental. Juntos, esses personagens retratam a devastação e a resiliência, humanizando uma luta travada em condições quase inimagináveis.
Essa convivência forçada com o próprio subconsciente transforma profundamente cada prisioneiro. Mujica, Rosencof e Huidobro são libertados em 1985, quando o regime ditatorial chega ao fim. Mujica e Huidobro seguem carreiras políticas, mantendo viva a chama do idealismo socialista, enquanto Rosencof retoma sua trajetória jornalística e como dramaturgo. “Uma Noite de 12 Anos” transcende o simples relato histórico. É um manifesto sobre a resistência humana, uma homenagem à força interior capaz de desafiar as condições mais adversas, ressaltando a eterna busca pela dignidade e liberdade em meio à escuridão.
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