Os Washington estão decididos a ampliar sua influência artística em múltiplas frentes. Oito anos após o icônico Denzel Washington dirigir e protagonizar “Fences – Um Limite Entre Nós”, é a vez de seu filho caçula, Malcolm Washington, fazer sua estreia como diretor em “Piano de Família”. Este novo longa traz uma conexão interessante com a obra de 2016, pois também é uma adaptação de um texto de August Wilson (1945-2005), figura central do teatro americano. Consagrado nos palcos da Broadway em 1987, “Piano de Família” combina uma análise perspicaz das tensões raciais nos Estados Unidos com uma narrativa repleta de poesia e força dramática. Sob a direção de Malcolm e com o roteirista Virgil Williams, o filme transporta o público para a Pittsburgh dos anos 1930, apresentando personagens ricos em complexidade, marca registrada de Wilson. O resultado é uma obra que evita clichês e entrega um enredo dinâmico, surpreendendo o espectador a cada cena.
A trama tem início em 4 de julho de 1911, em meio às celebrações pela independência dos Estados Unidos, marco alcançado em 1776 sob a liderança de George Washington. No entanto, a história se desenrola ao redor de uma herança peculiar: um piano vertical ornamentado com os rostos dos antepassados da família Charles. O instrumento, confiscado da casa de James Sutter como uma reparação extrajudicial, torna-se um símbolo de memórias e disputas. Vinte e cinco anos depois, durante o período da Grande Depressão, Boy Willie, vindo do norte do Mississippi, chega à Pensilvânia com um plano audacioso: vender o piano e usar o dinheiro para adquirir terras e construir um futuro mais sólido.
Interpretado por John David Washington, irmão de Malcolm, Boy Willie encarna as aspirações de gerações de afro-americanos descendentes de escravizados. Sua performance combina gestos amplos e uma oratória apaixonada, até o momento em que sua determinação encontra a resistência de Berniece, vivida pela talentosa Danielle Deadwyler. A tensão entre os dois é palpável: enquanto Boy Willie vê no piano uma oportunidade de reescrever sua história, Berniece enxerga nele um legado inegociável, repleto de memórias e sacrifícios. Esse confronto representa um embate entre dois arquétipos: o desejo de progresso e a necessidade de preservação.
Malcolm Washington conduz a narrativa com maestria, alternando realismo fantástico e pragmatismo. As escolhas estéticas e temáticas do diretor transformam “Piano de Família” em uma obra que transcende sua época, reafirmando a relevância das reflexões de August Wilson sobre a condição afro-americana. Assim, o filme não apenas revisita questões históricas, mas também projeta uma conversa essencial sobre identidade e pertencimento no presente. É por essa intersecção de arte, história e crítica social que “Piano de Família” reafirma seu status como um clássico moderno, carregando a assinatura de uma família que domina o ofício de emocionar e provocar.
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