Há algum tempo, o cinema tem se mostrado um veículo de mercado capaz de não somente apresentar uma narrativa por meio da imagem em movimento, mas também construir uma marca, um produto que vai além da história e se transforma em publicidade, merchandising, parques de diversão, roupas estampadas, brinquedos infantis e itens de colecionador.
Em “Wicked”, o novo lançamento da Universal Pictures, não foi diferente, já que a história da Bruxa Má do Oeste já era bem conhecida e amada pelos fãs de teatro musical. A peça de teatro foi muito bem-sucedida na Broadway e ganhou uma montagem brasileira em 2016, protagonizada por Myra Ruiz e Fabi Bang, que interpretaram Elphaba e Glinda, respectivamente. O sucesso em São Paulo foi tanto que as atrizes foram convidadas para dublar, no Brasil, a versão cinematográfica da peça teatral, que, dessa vez, tem como protagonistas as atrizes Cynthia Erivo e Ariana Grande.
Cynthia, além de atriz, é cantora e compositora e começou sua carreira no teatro com uma peça que se inspirou no clássico filme “Os Guarda-Chuvas do Amor” (1964). Cynthia já ganhou um Tony por sua atuação no musical “A Cor Púrpura”, que esteve em cartaz na Broadway de 2015 a 2017. Ao longo de sua carreira, ela também recebeu um Daytime Emmy e um Grammy pela trilha sonora do mesmo musical, como melhor álbum.
Assim como Cynthia, Ariana também começou sua carreira no teatro ainda na adolescência, com apenas 15 anos de idade, num musical chamado “13”, no ano de 2008. Além disso, quando pequena, ela também participou de versões de “Annie”, “O Mágico de Oz” e “A Bela e a Fera”. Apesar de sua experiência no teatro, Ariana só ficou realmente conhecida quando foi para a televisão e estrelou nas séries “Brilhante Victória” e “Sam & Cat”, ambas da Nickelodeon, um dos principais canais de entretenimento para crianças e adolescentes.
A origem de Wicked
Muito antes da história de “Wicked” surgir, outra muito conhecida foi criada pelo escritor L. Frank Baum. O autor foi responsável pela escrita dos “Livros de Oz”, uma série infantil de alta fantasia que teve início com “O Maravilhoso Mágico de Oz”, publicado em 1900. O autor ainda publicou treze livros sobre o tema antes de morrer e, após seu falecimento, foram publicados mais 26 livros.
A primeira versão musical de “O Mágico de Oz” estreou na Broadway no ano de 1902, mas a versão que realmente ficou conhecida por todos e que se inspirou nos livros e na peça foi o clássico hollywoodiano dirigido por Victor Fleming e lançado em 1939. Estrelando Judy Garland como Dorothy, o filme levou, no ano seguinte, cinco estatuetas do Oscar, incluindo Melhor Trilha Sonora Original e Melhor Filme.
Alguns anos depois, em 1995, quando a história original dos livros de “O Mágico de Oz” já havia se tornado domínio público, Gregory Maguire, que já era um grande fã dos livros e do filme, escreveu “Wicked: A História Não Contada das Bruxas de Oz”. O livro se passa antes dos acontecimentos de “O Mágico de Oz” e conta a história de Elphaba, uma jovem que nasceu com a cor de pele verde e precisou enfrentar diversas adversidades antes de se tornar a famosa Bruxa Má do Oeste.
Oito anos depois, em 2003, o compositor Steven Schwartz criou a peça da Broadway, também intitulada “Wicked”. O musical é inspirado no livro e conta a história da amizade entre Galinda (Glinda), a futura Bruxa Boa do Norte, e Elphaba, a futura Bruxa Má do Oeste.
O filme de 2024
A versão de 2024 se parece bastante com a peça original e tem, inclusive, as mesmas músicas e até falas idênticas. Este filme entra no mesmo conflito que os famosos live-actions da Disney: o que vale mais a pena? Fazer um filme completamente fiel à sua obra original ou investir em algo inovador que traga novas propostas e narrativas?
É inevitável admitir que todo bom fã de “Wicked” foi ao cinema procurando se esbaldar de referências e matar a saudade daquilo que já conhecia. Por isso, as falas são muito parecidas, as músicas são as mesmas e a narrativa é praticamente idêntica. Não seria seguro mudar uma história tão renomada e apostar em algo diferente.
De fato, “Wicked” não se desafia tanto e não tenta buscar por caminhos alternativos. Mas será que seria necessário? Ao pensarmos em diferentes montagens teatrais de um mesmo musical da Broadway, todas são sempre absolutamente iguais. O que muda são os atores que a interpretam e o idioma que está sendo falado naquele determinado país.
Portanto, creio que “Wicked” conseguiu o melhor dos dois mundos: uma obra fiel à história original, mas com uma nova roupagem. Cynthia traz tudo que a Elphaba precisa: uma interpretação firme e na medida certa, vocais maravilhosos e, sobretudo, a capacidade de gerar empatia ao público e fazer com que todos percebam que já foram um pouco como a Elphaba em algum momento da vida.
Ariana Grande, por sua vez, traz exatamente aquilo que um filme comercial precisa: a divulgação por meio de uma estrela do pop e o desejo de vê-la experimentando algo totalmente novo. A atriz consegue, ainda, fazer uma Glinda caricata, mas com um toque de delicadeza e sensibilidade que as atrizes anteriores não fizeram com a mesma destreza.
O filme apresenta apenas o primeiro ato da peça, mas está previsto para lançar a segunda parte em novembro de 2025. Ao terminar o filme, pude ouvir um dos espectadores sentado em uma cadeira próxima à minha dizer: “Eu estou no teatro de novo”. E essa é justamente a proposta do filme: fazer o público mergulhar numa linguagem completamente diferente do cinema e reconectá-lo ao seu veículo de origem.
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