A paixão nivela a humanidade por baixo. Inexplicavelmente, ficamos todos desnorteados, tolos, estúpidos quando o cupido faz das suas, e nem precisa ser conosco. Basta que alguém passe como se a um palmo do chão, com aquela cara de quem viu o tal passarinho verde (ou azul, ou rosa, a depender da preferência), que um contentamento pela alegria do outro se instala, fazendo mais tomados de amor os que já amam e meio invejosos aqueles que ainda buscam a tampa da sua panela. Há um pouco disso em “Amor em Little Italy”, uma comédia romântica saborosamente zombeteira sobre os destemperos do sentimento amoroso e suas adjacências. Especialista no assunto, Donald Petrie conta a história não de um amor, mas de vários amores, de diferentes gerações, resistindo ao peso sufocante de uma mal-entendido que atravessa os anos. O roteiro de Brent Cote, Steve Galluccio e Vinay Virmani empresta ainda mais fôlego às situações quase delirantes que Petrie leva à tela, num jogo de gato e rato que tem tudo para não terminar bem no mundo real. No mundo real.
Acreditar no amor não é exatamente simples: talvez seja o que existe de mais misterioso no enigma sem solução que é viver. Escritores, poetas, intelectuais, atores e músicos se dedicaram a tentar dar uma explicação plausível para a necessidade de se crer verdadeiramente no amor. O Romantismo, movimento artístico e também voltado à estética ela mesma ganhou força nos estertores do século 18. Com seu culto à natureza, o bucolismo, o êxodo das zonas rurais para os núcleos urbanos num mundo que se transformava à velocidade das máquinas a vapor da Revolução Industrial, os românticos foram se impondo para muito mais além da literatura e das artes em geral, chegando a este nosso insano século 21 com algum vigor.
O primeiro truque de Petrie é situar a história não no glamoroso bairro de Manhattan, mas na sossegada vizinhança homônimade Toronto,sudeste do Canadá, onde duas famílias mantêm suas respectivas pizzarias. O diretor abusa das cenas em que os Campo e os Angioli aparecem juntos para tornar mais incômodo o afastamento que se segue, prejudicial para ambos os negócios — ainda que, certa feita, um ingrediente especial no molho lote um dos estabelecimentos, deixando os clientes um pouco eufóricos demais.
Depois que Nicoletta Angioli, a Nikki, volta de Londres para resolver uma questão burocrática, as duas famílias se odeiam, e ela, claro, aproxima-se de Leo Campo, o herdeiro da loja rival. A afinidade entre Emma Roberts — muito melhor que em “Amor com Data Marcada” (2020), de John Whitesell — e Hayden Christensen é o bastante para sustentar essa versão macarrônica de “Romeu e Julieta” (1597). Amor e comida se parecem do que costumamos reconhecer.
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