Um homem acumula riquezas ao buscar vingança contra a ex-namorada, trair o amigo mais próximo, ignorar os méritos de quem o ajudou a construir um império e manipular sócios para eliminá-los do jogo. Ao final, encontra-se frente ao computador, suplicando por um amor perdido. Mesmo pagando indenizações milionárias àqueles que prejudicou, mantém intacto o status de bilionário. No entanto, a única constante em sua vida é o dinheiro, sua relação mais duradoura. Este é o enredo de “A Rede Social” (2010), dirigido por David Fincher, que, embora elogiado pela crítica e repleto de indicações ao Oscar, carrega a controvérsia. Muitos questionam: onde está a amizade — conceito que deveria ser central ao Facebook, retratado no longa?
No filme, amizade surge como uma narrativa maleável, moldada com astúcia. Mark Zuckerberg (Jesse Eisenberg) e Eduardo Saverin (Andrew Garfield), este último um paulistano radicado nos Estados Unidos, criam juntos uma plataforma digital que permite a formação de redes exclusivas de contatos. O projeto, que nasceu como um clube virtual em Harvard para facilitar conexões amorosas, rapidamente se expandiu para outras universidades e, eventualmente, para o mundo, conquistando mais de 2,9 bilhões de usuários. Contudo, essa parceria inicial desmorona com a chegada de Sean Parker (Justin Timberlake), fundador do Napster e figura controversa, conhecido por seu comportamento excessivo e seu histórico de problemas judiciais. Parker fragmenta o vínculo entre Zuckerberg e Saverin, marginalizando o brasileiro. Ironicamente, ele próprio também é afastado do empreendimento, ainda que retenha uma pequena fração das ações.
Embora o filme seja uma ficção que dramatiza a criação do Facebook, os protagonistas da história real afirmam que muito do retratado está longe dos fatos. Entretanto, para o espectador, pouco importa. O que prevalece é a narrativa cinematográfica, que apresenta uma versão distorcida da utopia que a plataforma promove. No mundo digital, supostamente tudo é possível: escolher seus interlocutores, bloquear indesejáveis, elogiar, criticar ou simplesmente ignorar. Já em “A Rede Social”, o que se vê é um campo de batalha, onde ambições e traições prevalecem. O ponto de ruptura é a monetização da ideia: garantir o domínio da marca e do produto, mesmo que isso envolvesse enganar colaboradores e explorar os laços mais próximos.
Saverin, inicialmente o principal financiador da plataforma, viu sua participação ser reduzida a migalhas por meio de manobras administrativas. Depois de investir quase US$ 20 mil, boa parte provenientes de sua família, foi excluído. Outros envolvidos, como os irmãos Winklevoss, receberam indenizações milionárias, mas apenas após enfrentarem Zuckerberg nos tribunais. A saga culmina no triunfo financeiro do fundador, cuja visão de negócio superou princípios éticos e laços pessoais. No embate entre amizade e capital, o dinheiro saiu vencedor.
O longa, contudo, não está imune a críticas. Ele reflete uma visão limitada, centrada em jovens empreendedores brancos e milionários, enquanto reforça estereótipos depreciativos sobre outras culturas, incluindo brasileiros e caribenhos. Há também um tratamento machista, que reduz mulheres a objetos de desejo e não poupa comentários pejorativos sobre etnias. Por trás da rivalidade entre atletas privilegiados e nerds ambiciosos, encontra-se a vingança de quem outrora foi rejeitado — inclusive em questões amorosas.
O filme levanta uma questão inquietante: os sites de relacionamento substituíram ou reinventaram a amizade? A metáfora de um doce português, cuja massa fina pode se expandir a ponto de cobrir um cômodo, ilustra bem o que aconteceu com esse conceito. Em uma sociedade marcada pela mobilidade e pelo consumo, a amizade tradicional, fundamentada em valores duradouros, foi substituída por vínculos superficiais, mediados por interesses e pela tecnologia. No entanto, talvez tais valores nunca tenham sido tão universais quanto acreditávamos, sempre convivendo com a dissimulação e a traição.
Plataformas como Facebook, Twitter e Orkut surgiram em um cenário de relações fragmentadas, desempenhando o papel de conectar pessoas isoladas em suas bolhas. No lugar de vizinhanças e comunidades locais, entraram redes baseadas em afinidades momentâneas ou objetivos específicos. O que essas redes oferecem é, em essência, uma ficção: a ilusão de proximidade em um mundo cada vez mais desconectado.
A manutenção de um perfil online é uma tentativa de preencher uma lacuna emocional. Por mais que saibamos que as conexões virtuais raramente substituem amizades reais, a representação social que essas plataformas proporcionam tornou-se indispensável na sociedade contemporânea. “A Rede Social”, ao expor os bastidores desse império digital, não apenas ilumina o impacto dos gigantes tecnológicos em nossas vidas, mas também nos força a refletir sobre o preço que estamos dispostos a pagar para participar dessa grande ilusão global.
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