Quem poderia dizer que Kristen Stewart iria tão longe? A ex-protagonista da saga “Crepúsculo” (2008-2012) parece ter se aprimorado na difícil arte da disciplina, principalmente numa carreira tão ingrata, e tornou-se uma intérprete digna de todas as oportunidades que consegue. “Personal Shopper” é mais uma prova do talento e do esforço de Stewart, e essa outra parceria com Olivier Assayas atesta que ela pode virar a grande estrela de sua geração. Os dois já haviam trabalhado juntos no surpreendente “Acima das Nuvens” (2014), pelo qual Stewart foi agraciada com o Cesar, o homólogo francês do Oscar — a primeira americana a alcançar tal proeza —, e dois anos depois, o diretor-roteirista leva sua nova musa por uma história sobre experiências místicas nada óbvia, a um só tempo poética e aterrorizante, ancorada por uma anti-heroína e seus traumas.
Maureen Cartwright tenta conferir significado à vida depois de ter perdido o irmão gêmeo, Lewis, mas o fato de ter de continuar num emprego tedioso, sem nenhuma perspectiva de que vá conseguir coisa melhor algum dia não ajuda. Maureen é a tal compradora particular do título, uma das várias ocupações de nossa insana pós-modernidade, e atende Kyra Gellman, uma estrela de cinema mundialmente famosa em constantes deslocamentos pelo mundo vivida por Nora von Waldstatten. Embora a sequência de abertura tente situar o espectador em meio à tragédia da personagem, observá-la no trabalho é o melhor jeito de compreender as minúcias de sua dor. Depois de algumas tomadas em que Stewart aparece zanzando pelas ruas de Paris, indo de uma butique para a outra pilotando sua moto, aí, sim, as cenas em que está encafuada em ambientes escuros e claustrofóbicos passa a fazer sentido.
Essa é uma das marcas registradas de Assayas. O diretor leva o público a supor que vai falar de um só assunto, quando acaba por chegar mais longe e abranger temas para os quais ainda não havíamos atentado. “Personal Shopper” é sem dúvida uma história de fantasmas, porém é antes disso um conto intimista sobre uma pessoa de carne e osso em busca de si mesma, sensação que se exacerba sempre que a moça surge procurando um amparo qualquer em quem literalmente passa por sua vida. No fundo, Maureen Cartwright é ela mesma um espectro, cada dia mais incomodada com o mundo dos vivos. A partida de Lewis é só um pretexto muito conveniente para que queira ir-se também.
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