A história de “2 Coelhos”, dirigida por Afonso Poyart, apresenta-se como um reflexo intrincado da luta do brasileiro diante de um cenário político e social marcado por corrupção, desigualdade e sobrevivência. No Brasil, recomeçar não é uma escolha, mas uma necessidade enraizada no DNA coletivo, onde cada geração enfrenta desafios tão complexos quanto diversos. Essa resiliência nacional, evidenciada ao longo de décadas de crise, ecoa nas telas por meio de personagens que vivem à margem da sociedade, buscando justiça em um mundo que insiste em deixá-los para trás.
Edgar, interpretado por Fernando Alves Pinto, é a personificação dessa resistência. Um homem que, ao longo da vida, sonhou ser muitas coisas — médico, astronauta, mergulhador — mas acabou aprisionado pelo sistema. Seu talento para a publicidade e a tecnologia são as ferramentas que o conduzem por um caminho onde moralidade e revolta se entrelaçam. Nos 108 minutos de projeção, o espectador é levado a mergulhar em um universo onde o heroísmo emerge de maneiras inesperadas. No entanto, a narrativa, em certos momentos, é prejudicada por recursos visuais que, apesar de modernos, podem afastar o público mais maduro.
Desde a primeira cena, onde o protagonista aparece coberto por uma animação gráfica simplista, há um contraste entre a profundidade temática e a estética juvenil. Essa escolha visual, embora estilisticamente ousada, enfraquece a seriedade de um enredo que tem potencial para alcançar múltiplas gerações. A atuação de Pinto equilibra-se em uma linha tênue entre o ridículo e o trágico, refletindo a pressão de uma sociedade que exige dele uma maturidade sufocante. Sua fragilidade mental, manifestada pela ruptura com o cotidiano e o desejo de implantar um projeto arriscado, torna-o uma figura paradoxal: o revolucionário que quer mudar o mundo, mas carrega em si as marcas de suas próprias limitações.
O roteiro, então, transita da ficção científica para a sátira político-cultural, com o surgimento de Jader Kerteis, candidato ao cargo de deputado estadual. Kerteis, interpretado por Roberto Marchese, satiriza diretamente o cenário eleitoral brasileiro, especialmente o episódio emblemático de 2010, quando figuras populares, como Tiririca, foram eleitas pelo peso da fama, evidenciando a fragilidade do sistema político. Essa abordagem dá à narrativa um tom de crítica afiada, onde o humor e a tragédia se encontram em uma dança macabra.
Na reta final, a trama se aprofunda, ligando Edgar ao universo corrupto de Kerteis, numa espiral de revelações que questiona até que ponto o ambiente molda o indivíduo ou se este é apenas uma vítima de suas circunstâncias. A presença de Alessandra Negrini como Júlia introduz uma tensão romântica que, mesmo sendo essencial, é tratada com a mesma desilusão que permeia toda a jornada de Edgar. O amor, assim como a justiça, parece ser um luxo distante, inalcançável para aqueles que ousam desafiar o status quo.
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