Nenhum indivíduo escapa aos contratempos que a vida impõe. Não importa a idade, classe social, saúde perfeita ou anos de terapia com profissionais renomados — as vulnerabilidades nos alcançam, expondo nossos pontos mais frágeis. Esse é o ponto de partida do provocante drama “Em Busca de Mim”, dirigido pelo holandês Michiel van Erp. O filme retrata uma protagonista que, como tantas figuras bem-sucedidas e aparentemente resolvidas, se vê perdida em um emaranhado de emoções. À medida que a narrativa avança, evidencia-se algo universal: a vida não se curva aos desejos egocêntricos; ela segue, indiferente às inseguranças que cada um tenta mascarar. O que fica por lidar — aquelas pendências emocionais negligenciadas por anos — torna-se um fardo que só o próprio indivíduo pode carregar, um espectro pessoal que Van Erp personifica com uma sofisticação perturbadora. O público, inevitavelmente, se verá refletido em alguma dessas situações e será confrontado pelos próprios fantasmas.
Baseado no romance de Saskia Noort, o roteiro assinado por Paula van der Oest e Roos Ouwehand oferece a Elise Schaap um papel magnético. Sara, sua personagem, flerta com o perigo e, de maneira quase sobrenatural, parece sempre sair ilesa. Desde a abertura, que remete à grandiosidade de “Titanic” (1998), de James Cameron, o filme sugere que Sara não é apenas mais uma figura rica e perdida, mas alguém que constantemente se reinventa ao enfrentar perdas transformadoras. Seu casamento desfeito, os conflitos com a filha adolescente e as tentativas impetuosas de recuperar o tempo perdido — quase sempre de maneira equivocada — formam o pano de fundo de uma história que, em sua essência, dialoga diretamente com “A Filha Perdida” (2021). Assim como Maggie Gyllenhaal explorou, em cenários idílicos, as feridas ocultas de uma mulher, Van Erp transforma paisagens deslumbrantes em um palco para as dores mais íntimas de Sara.
A jornada de Sara leva-a a Stromboli, a mítica terra de Éolo, descrita por Homero na “Odisseia”. Nessa pequena ilha siciliana, onde Ulisses buscou refúgio após a guerra, o passado se mistura ao presente. Em Stromboli, repousa um dos três vulcões ativos da Itália, cujo silêncio representa calma aparente. Contudo, a intensidade de Sara contrasta com a serenidade do lugar. Logo ao chegar, ela se vê em uma série de eventos tumultuados: perde a bolsa com dinheiro, celular e passaporte após uma noite de excessos ao lado de Harold, um milionário confidente interpretado por Tim McInnerny; desentende-se com Pietro, o proprietário do chalé que aluga; e acaba sendo acolhida na igreja local por Jens, vivido por Christian Hillborg.
O encontro com Jens é o ponto de virada do filme, carregado de simbolismos que enaltecem o fio condutor da trama: a busca por sentido em meio ao caos interno. Hillborg transita entre figurações demoníacas e redentoras, refletindo a dualidade da jornada de autodescoberta de Sara. Aqui, o roteiro de Van der Oest e Ouwehand se aprofunda de maneira singular ao explorar os traumas inconfessáveis que tanto homens quanto mulheres carregam, revelando camadas de complexidade que surpreendem e cativam.
“Em Busca de Mim” transcende sua trama ao abordar questões intrínsecas à experiência humana. Entrelaçando humor mordaz e notas de tragédia, Van Erp cria um universo em que cada espectador encontra fragmentos de si mesmo. Sara, ao se perder, também nos faz refletir sobre nossas próprias buscas. Afinal, quem nunca enfrentou os abismos internos que só podem ser vencidos por quem os habita? O filme, ao transformar vulnerabilidades em arte, oferece uma reflexão sensível e inesquecível sobre o que significa viver e, mais importante, sobre como encontrar forças para seguir em frente quando tudo parece desmoronar.
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