Governos autocráticos, ao longo da história, frequentemente se voltam contra artistas e manifestações culturais que desafiem suas ideologias, temendo o poder transformador da criatividade. Em “Nunca Deixe de Lembrar”, Florian Henckel von Donnersmarck explora esse conflito ao revisitar os horrores do nazismo e suas tentativas de moldar a arte como ferramenta de propaganda. O filme oferece uma análise profunda de como Adolf Hitler, um pintor frustrado, transformou seu desprezo pela arte em uma política sistemática de repressão e destruição cultural.
Hitler, incapaz de se destacar como artista, encontrou na desvalorização da arte moderna uma forma de expressar seu ressentimento. Em 1937, os nazistas organizaram a Exposição de Arte Degenerada em Munique, com o objetivo de ridicularizar e condenar obras de mestres como Picasso, Mondrian e Kandinsky. Essa iniciativa, que logo percorreu toda a Alemanha, atacava valores associados ao progresso, como liberdade de expressão e integração racial, promovendo uma visão estreita e autoritária do que seria “arte aceitável”. Pouco depois, o regime levaria o mundo à Segunda Guerra Mundial, tentando restaurar um orgulho ariano ferido e expandir seu domínio territorial.
Von Donnersmarck transporta essa tensão histórica para Dresden, onde o jovem Kurt, interpretado por Cai Cohrs, testemunha a exposição enquanto sua tia Elisabeth, vivida por Saskia Rosendahl, lhe transmite silenciosamente o absurdo do evento. Essa experiência molda o olhar de Kurt para o restante de sua vida, uma jornada que reflete as dificuldades enfrentadas pelo artista alemão Gerhard Richter, cuja trajetória inspira o filme.
Richter, nascido em 1932, cresceu sob o jugo do nazismo, adaptando-se às imposições artísticas de um regime que desprezava a liberdade criativa. Décadas depois, ele enfrentaria novas restrições sob o regime comunista, que promovia o realismo socialista como única expressão aceitável de arte. Interpretado na vida adulta por Tom Schilling, Kurt continua a enfrentar os dilemas entre sua visão artística e as ideologias repressoras que o cercam.
Ao longo de três horas de projeção, o filme constrói um enredo complexo e profundo, desenrolando-se com uma paciência narrativa que ecoa os clássicos de Tolstoi, como “Guerra e Paz” e “Anna Kariênina”. A trama acompanha Kurt desde sua infância, marcada pela tragédia da internação de sua tia em uma unidade nazista para tratamento forçado, até sua juventude em Berlim, onde busca se graduar em artes, mesmo sob as limitações impostas pelo comunismo. É lá que conhece Ellie, interpretada por Paula Beer, que se torna um ponto de luz em sua trajetória, apesar da oposição do pai dela, o professor Carl (Sebastian Koch), um ginecologista cujas ações revelam um passado sombrio.
No coração de “Nunca Deixe de Lembrar” está a defesa da arte como expressão autônoma, livre de imposições pragmáticas ou utilitárias. A mensagem é clara: a arte existe não para servir, mas para transcender. Gerhard Richter, como o filme sugere, continua a reafirmar essa verdade, provando que a liberdade artística é essencial para a preservação da humanidade diante da opressão.
★★★★★★★★★★