Com roteiro e direção de Oren Uziel, “Shimmer Lake” é um exercício intrigante de narrativa reversa, onde cada revelação transforma o entendimento do espectador. A proposta ousada de contar a história de trás para frente, iniciando na sexta-feira e retornando gradualmente aos eventos anteriores, cria uma experiência que desafia a linearidade tradicional e oferece surpresas a cada nova camada desvendada. Uziel se arrisca em território ambíguo, flertando com o humor negro e o suspense, resultando em um enredo que, embora caótico em alguns momentos, mantém o público atento graças às suas constantes reviravoltas.
Inicialmente, a atmosfera cômica confunde. O elenco, composto por rostos familiares de sitcoms como “Community” e “The Office”, traz um tom leve que contrasta com o teor sombrio do crime central. O roteiro, com diálogos aparentemente casuais e quase absurdos, sugere que risadas em segundo plano poderiam surgir a qualquer instante, mas essa expectativa logo se dissipa conforme a trama avança. Apesar de não se comprometer completamente com o rótulo de comédia ou suspense, o filme encontra sua força na imprevisibilidade.
A trama é centrada em Zeke Sikes (Benjamin Walker), um policial determinado a resolver o roubo ao banco do juiz Dawkins (John Michael Higgins). Os suspeitos principais incluem dois amigos de infância de Zeke e seu irmão, Andy (Rainn Wilson), um ex-promotor de Justiça agora fugitivo. A escolha de Uziel de apresentar Zeke como um símbolo de integridade moral, em contraste com Andy, ressalta o conflito entre dever e lealdade familiar. A dupla do FBI, formada pelos agentes Biltmore (Rob Corddry) e Walker (Ron Livingston), traz dinamismo às investigações, mas suas presenças acabam sendo eclipsadas pela narrativa não linear, onde o passado constantemente redefine o presente.
Essa estrutura retroativa lembra “Amnésia”, de Christopher Nolan, mas com uma abordagem mais leve. Uziel parece consciente da seriedade que permeia obras semelhantes e opta por uma perspectiva menos sisuda, sem comprometer o impacto das revelações. O pequeno cenário rural, onde todos se conhecem, amplifica o suspense ao criar um ambiente claustrofóbico, onde segredos são impossíveis de esconder.
No entanto, “Shimmer Lake” não se limita a ser apenas um thriller sobre assalto a banco. Uma tragédia passada — a explosão de um laboratório de metanfetamina que matou uma criança — adiciona uma camada emocional à narrativa. Essa perda pessoal liga Ed (Wyatt Russell), um dos criminosos, e Steph (Stephanie Sigman), cuja presença misteriosa e manipuladora influencia os eventos de forma sutil e calculada. A trama é envolta em uma teia de vingança, culpa e redenção, onde a linha entre vítimas e vilões se desfaz continuamente.
Embora as atuações não alcancem um nível memorável e os diálogos faltem de profundidade, o que realmente sustenta o filme é o seu roteiro engenhoso. Cada detalhe revelado desafia as suposições do público, e a narrativa inversa reforça a ideia de que nenhum personagem é totalmente confiável. Uziel, com sua direção precisa e senso de risco, entrega uma produção que, mesmo com limitações, consegue cativar pela originalidade.
“Shimmer Lake” é uma obra independente que combina humor sutil e mistério sombrio, oferecendo uma experiência única. Sem grandes pretensões, mas com um charme singular, o filme desafia convenções e entrega um final surpreendente, demonstrando que, às vezes, o caminho para entender o passado é percorrido ao contrário.
★★★★★★★★★★