Cinco décadas atrás, para casais enfrentando problemas de fertilidade, o desejo de ter filhos biológicos muitas vezes terminava em frustração. A alternativa disponível era a adoção, uma prática admirável e cheia de significado, mas que não atendia ao desejo de continuidade genética. Hoje, o panorama é completamente diferente. Os avanços científicos não apenas multiplicaram as opções para quem busca construir uma família, mas também desafiaram conceitos que antes pareciam imutáveis, demonstrando que a vida pode ser gerada fora do útero humano, com o auxílio da tecnologia.
Os progressos da ciência revolucionaram inúmeros aspectos da existência humana, redefinindo limites e ampliando horizontes. O que antes parecia impossível tornou-se cotidiano: diagnósticos precisos, tratamentos eficazes e acessíveis, transplantes de órgãos, recriação de membros e clonagem celular. Cada conquista é fruto do empenho de pesquisadores que se recusaram a aceitar a ideia de que o destino humano está gravado em pedra. Embora o acaso ainda nos reserve desafios incontroláveis, a ciência tem nos permitido reescrever partes significativas da nossa história.
Nesse contexto, “Joy”, dirigido por Ben Taylor e com roteiro de Jack Thorne, Rachel Mason e Emma Gordon, narra uma jornada científica e humana que mudou o mundo. O filme de 2024 revisita a trajetória do médico Patrick Steptoe (Bill Nighy), do cientista Robert Edwards (James Norton) e da embriologista Jean Purdy (Thomasin McKenzie), os pioneiros da fertilização in vitro (FIV). Juntos, eles embarcaram em uma odisseia científica que não apenas desafiou barreiras éticas e morais, mas também transformou o campo da medicina reprodutiva.
O caminho para o sucesso foi marcado por adversidades. O trio enfrentou dificuldades financeiras severas devido à falta de apoio institucional e governamental. Além disso, os desafios iam além do material: questionamentos éticos e religiosos eram constantes. Muitos viam seus experimentos como uma afronta às leis divinas, criticando a manipulação de embriões humanos e acusando-os de ultrapassar os limites naturais. Os três cientistas encontraram resistência até mesmo em universidades e laboratórios, que se recusavam a oferecer suporte às suas pesquisas.
As dificuldades pessoais também afetaram a jornada. Jean Purdy teve de interromper sua participação para cuidar da mãe, em estado terminal. Edwards, por sua vez, afastou-se temporariamente para atuar na política. Contudo, o desejo de mudar vidas e oferecer esperança a casais inférteis manteve o grupo unido. Determinados a seguir em frente, eles estabeleceram um laboratório próprio em Oldham, Inglaterra, onde continuaram a trabalhar sob intensa pressão. Além das críticas externas, precisaram proteger a privacidade das mulheres que se submetiam aos experimentos pioneiros, enquanto enfrentavam o assédio constante da mídia.
Após duas décadas de dedicação, finalmente alcançaram o objetivo. Em 1978, o nascimento de Louise Joy Brown, a primeira criança concebida por meio da fertilização in vitro, simbolizou uma revolução na medicina reprodutiva. Aquilo que antes parecia impossível tornou-se uma possibilidade real para milhões de casais ao redor do mundo. Décadas depois, em 2010, o trabalho de Robert Edwards foi reconhecido com o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina, um tributo à contribuição inestimável desse trio para a ciência e a humanidade.
O filme também presta uma homenagem especial a Jean Purdy, frequentemente ignorada nas narrativas históricas sobre a FIV. Sua atuação foi essencial para o sucesso do projeto, e “Joy” faz questão de ressaltar sua importância. A obra nos convida a refletir sobre os custos pessoais e os sacrifícios necessários para que grandes avanços ocorram, destacando a coragem e a resiliência de três indivíduos que ousaram desafiar os limites do possível, mudando para sempre a forma como entendemos e criamos a vida.
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