Como todo mundo sabe, não é só a morte que acaba com os casamentos, e quando eles acabam e novas relações tomam forma, prudência nunca é demais. Se um dos lados tem filhos e o outro, por uma razão qualquer, chegou até lá dono absoluto de sua jornada, as coisas podem complicar-se bastante (o que fatalmente acontece), e então eclode uma guerra de nervos, que pode evoluir para uma hecatombe nuclear ou manter-se sob relativo controle, desde que ninguém jamais ouse sair de seu posto e invadir um território que não lhe pertence.
Até alcançar esse equilíbrio, Brad Whitaker, o protagonista de “Pai em Dose Dupla”, corta um dobrado e encara sucessivas provas de fogo, tudo para merecer o respeito, a confiança e o amor dos enteados, nessa ordem. Will Ferrell reina sobranceiro no filme de Sean Anders, podendo contar com um elenco afinado que domina as situações que o diretor lhes oferece. Anders e os corroteiristas Brian Burns e John Morris concentram-se em Brad, fazendo com que todas as subtramas girem ao seu redor, e sem pressa os outros personagens mostram a que vieram. Cada qual na sua hora.
Brad leva à escola Megan e Dylan, os filhos de Sarah, vai buscá-los ao fim da aula, está sempre disponível para um momento de aconchego com uma história antes de eles dormirem e em troca só pede que as crianças abram-se para ele. Quem está de fora pensa que essa é sua única ocupação na vida, mas ele também é diretor artístico da Panda, uma estação de rádio especializada em smooth-jazz, onde o chefe, Leo, acha que lhe faz um grande favor dando conselhos boçais sobre como lidar com filhos — e, principalmente, enteados —, esposas e amantes.
Esse é um dos momentos mais estranhamente hilários do filme, e ainda que Brad não se mostre nada inclinado a seguir as recomendações do cafajeste encarnado por Thomas Haden Church, parece que no fundo de seu espírito bondoso fica alguma coisa dessas “lições”. Quando ele está afinal muito perto de quebrar o gelo dos corações de Megan e Dylan, com Scarlett Estevez e Owen Vaccaro adoráveis e perversos na justa medida, “uma mistura de Jesse James (1847-1882) e Mick Jagger”, na análise certeira da esposa, Dusty Mayron, o ex-marido de Sarah, cai do azul. Ferrell, Linda Cardellini e Mark Wahlberg compõem um belo trio, mas a narrativa só passa a se sustentar mesmo no segundo longa, com a entrada de dois veteranos que repetem a lógica de confronto entre Brad e Dusty. Um raríssimo caso de sequência necessária.
★★★★★★★★★★