A arte do cinema, essa forma de expressão que fascina e envolve públicos ao redor do mundo, há muito transcende a simples experiência de assistir a uma história projetada em uma tela. Desde seus primórdios, as narrativas de bastidores — recheadas de mistérios, desafios técnicos e dramas pessoais — têm cativado espectadores e críticos. Por pelo menos sete décadas, mergulhar nos segredos que envolvem câmeras antes pesadas e complexas, cenários de ilusões bidimensionais, astros glamorosos e heroínas de caráter implacável tornou-se um verdadeiro deleite para os apaixonados pela sétima arte. No faroeste de outrora, caubóis e indígenas batalhavam por riquezas enterradas sob terras áridas, enquanto galãs de smoking escapavam de balas, mas não dos tapas fulminantes de musas inesquecíveis.
O filme “Babilônia”, de Damien Chazelle, reverbera essa tradição, trazendo ecos claros do clássico “Cantando na Chuva” (1952). Enquanto a obra de Gene Kelly e Stanley Donen explorava os desafios da transição do cinema mudo para o falado, Chazelle constrói sua própria abordagem ao longo de 190 minutos exuberantes. Ele reinventa o familiar, conferindo frescor a cenas que parecem ter sido vistas antes, mas que aqui ganham vitalidade por meio de um elenco afinado e uma direção que mantém o olhar do espectador continuamente engajado.
O caos, elemento inseparável do fazer cinematográfico, é o coração pulsante de “Babilônia”. Logo na abertura, encontramos Manny Torres, um mexicano-americano que transporta um elefante pelas colinas de Los Angeles rumo a Beverly Hills, onde um frenesi hedonista, patrocinado por um magnata de Hollywood, o aguarda. Chazelle inicia sua narrativa sem rodeios, apresentando uma cena de escatologia que, apesar de parecer gratuita à primeira vista, se conecta intimamente à essência do filme e ao que se sugere nas entrelinhas.
No centro dessa trama frenética está Nellie LaRoy, uma jovem determinada a conquistar seu lugar entre as estrelas da Hollywood nascente. Em um momento de ousadia, ela se faz passar por Billie Dove, ícone dos anos 1920, para entrar em um evento exclusivo. Sua ousadia é recompensada quando Manny, que a observa com admiração, a ajuda a ultrapassar as barreiras impostas. A partir desse ponto, as trajetórias de Diego Calva e Margot Robbie, intérpretes de Manny e Nellie, entrelaçam-se de forma poderosa. Juntos ou separados, seus personagens conduzem o espectador por uma jornada repleta de encontros marcantes, revelando figuras que personificam os conflitos e dilemas do cinema em transformação.
Entre essas figuras, Jack Conrad, vivido por Brad Pitt, destaca-se como o epítome do astro de cinema — confiante até o limite da arrogância e dotado de um charme inegável. Conrad simboliza a magia e a fragilidade dos ídolos do passado e do presente. No contexto de “Babilônia”, a transição do cinema mudo para o falado é apenas uma das muitas ameaças enfrentadas pela indústria. Hoje, os desafios vêm de todas as direções: a ascensão dos influenciadores digitais e a superficialidade das redes sociais desafiam talentos autênticos a se adaptar ou desaparecer. Os tempos de Clara Bow e Cary Grant ficaram para trás, mas a luta por relevância no universo das celebridades continua implacável.
Com “Babilônia”, Chazelle entrega uma obra que, ao mesmo tempo em que homenageia a tradição, desafia o espectador a refletir sobre a efemeridade do sucesso e o eterno fascínio que o cinema exerce sobre a humanidade. É um convite para explorar não apenas os sonhos e glórias, mas também as sombras e os sacrifícios que permeiam o mundo por trás das câmeras.
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