Adam Sandler, um nome que por muito tempo esteve associado a comédias de apelo duvidoso, como “Gente Grande” (2010-2013) e “Cada Um Tem a Gêmea Que Merece” (2011), surpreendeu ao redirecionar sua carreira para interpretações mais profundas. Desde “Joias Brutas” (2019), dos irmãos Safdie, até “Os Meyerowitz: Família Não se Escolhe” (2017), dirigido por Noah Baumbach, Sandler vem demonstrando um talento dramático que transcende sua antiga zona de conforto. Em especial, a parceria com Dustin Hoffman em “Os Meyerowitz” revelou camadas inéditas do ator, que gradualmente abandonou os estereótipos que marcaram sua filmografia inicial. Agora, em “O Astronauta” (2023), sob direção de Johan Renck, Sandler reafirma esse compromisso com narrativas mais complexas, desafiando novamente as expectativas de público e crítica.
Renck, conhecido por trabalhos em videoclipes de Madonna, documentários sobre David Bowie e a série “Chernobyl” (2019), transpõe para o cinema o romance “Spaceman of Bohemia” (2017), de Jaroslav Kalfař. Sua abordagem retira boa parte do tom sombrio do livro, substituindo-o por uma reflexão existencial que casa perfeitamente com a atuação madura de Sandler. Ele vive Jakub Prochazka, um astronauta cuja missão entre a Terra e um ponto indefinido no cosmos revela as contradições de sua humanidade. Entre a solidão absoluta e os ecos de decisões passadas, Jakub encontra na vastidão do espaço um espelho inclemente para seus erros e arrependimentos, enquanto questiona se ainda encontrará algo ou alguém à sua espera no retorno.
A narrativa não se limita ao isolamento de Jakub. Ela ganha vida através de Hanus, um excêntrico aracnídeo gigante dublado por Paul Dano, cuja presença no filme é ao mesmo tempo desconcertante e profundamente simbólica. Hanus é um crítico implacável, que desafia Jakub a confrontar verdades que ele preferiria evitar. Em um dos momentos mais marcantes, o aracnídeo afirma que a solidão de Jakub é “autoinfligida”, desmontando qualquer ilusão de nobreza em seu isolamento. A relação entre o astronauta e a criatura funciona como um contraponto aos dilemas internos do protagonista, oferecendo momentos de humor ácido e introspecção dolorosa.
No entanto, o filme não perde de vista os laços humanos que Jakub deixou para trás. A figura de Lenka, interpretada por Carey Mulligan, aparece como um lembrete silencioso das complexidades da vida que ele abandonou. Apesar de sua participação limitada, Mulligan imprime uma melancolia contida que amplifica o impacto emocional do filme. Isabella Rossellini, por sua vez, dá vida à comissária Tuma, embora sua presença seja ainda mais discreta, quase simbólica.
A escolha de Renck em suavizar os aspectos mais sombrios do material original permite que o foco recai sobre a jornada emocional de Jakub. A missão espacial torna-se uma metáfora para a condição humana: a busca incessante por sentido, mesmo diante do absurdo e da dor. Ao longo de seis meses no espaço, Jakub reflete sobre o legado de um pai ausente e sobre as escolhas que o afastaram de Lenka. O resultado é uma narrativa que equilibra o patético e o sublime, mostrando que até as experiências mais dolorosas podem conter uma beleza inesperada.
Sandler entrega uma atuação que captura a fragilidade e a resiliência de Jakub, consolidando sua transição para papéis mais densos. “O Astronauta” não é apenas um marco em sua carreira, mas também um exemplo de como o cinema pode explorar temas universais de maneira inovadora. Ao escolher o cosmos como cenário para os dilemas mais íntimos da existência, o filme transforma uma jornada espacial em um retrato profundamente humano. Afinal, heróis não são aqueles que escapam das dificuldades da vida, mas os que as enfrentam, ainda que suas escolhas sejam imperfeitas.
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