Poucos cineastas conseguem explorar com tamanha intensidade os conflitos humanos diante de forças incontroláveis quanto Christopher Nolan. Em “Tenet”, essa característica é evidenciada logo nos primeiros minutos, com uma combinação refinada de linguagem visual e a urgência temática que marca o diretor. A trama, intrincada e repleta de nuances, ecoa a complexidade de outras obras de Nolan, como “A Origem” (2010) e “Dunkirk” (2017). Nessas referências, ele resgata elementos característicos, como uma visão peculiar de apocalipse e uma narrativa que mistura rigor cartesiano com o caos visual que emerge das imagens.
A abertura do filme, deliberadamente confusa, conduz o espectador por um espetáculo que se desestabiliza rapidamente em um tumulto controlado. A paciência torna-se indispensável à medida que heróis e vilões se revelam de forma gradativa. O Protagonista, interpretado por John David Washington, é inicialmente um enigma, transitando entre zonas de ambiguidade moral que dificultam ao público definir com clareza seu papel. Ao acompanhá-lo durante uma perseguição acirrada, orquestrada por terroristas ucranianos, começa-se a vislumbrar sua verdadeira natureza. Ele emerge como um potencial salvador, enfrentando um vilão engenhoso e meticuloso. Esse antagonista, movido por um desejo insano de dominação, elabora um plano que parece desconexo à primeira vista, mas que se solidifica à medida que o roteiro avança.
Nolan investe tempo em construir cenas que retratam a vulnerabilidade do protagonista, ressaltando a tensão psicológica e física que ele enfrenta. John David Washington é apresentado como um homem à beira de desmoronar, seja devido ao esgotamento emocional, seja pela violência implacável de seus perseguidores. Um confronto particularmente marcante ocorre entre o Protagonista e Stephen, vivido por Andrew Howard, membro de uma organização sinistra. Essa batalha, travada em condições injustas e humilhantes, define o ponto de partida para a narrativa central. Embora a trama se prolongue por mais de duas horas e meia, flertando ocasionalmente com o exagero e a repetição, a direção habilidosa de Nolan mantém o interesse e evita qualquer sensação de monotonia.
A interação do Protagonista com Barbara, uma cientista interpretada por Clémence Poésy, traz um momento de alívio relativo. Embora repletas dos habituais malabarismos verbais e conceituais típicos do roteirista-diretor, essas cenas ajudam a situar o espectador sobre os eventos em curso. Elas revelam a missão do Protagonista: prevenir uma Terceira Guerra Mundial que, segundo a visão catastrófica de Nolan, superaria um holocausto nuclear em impacto e devastação. Esse respiro narrativo é breve, já que a história logo retorna a uma dinâmica frenética e intensa.
À medida que a trama principal se desenrola, Nolan introduz subtramas que, embora dispensáveis em essência, são conduzidas com maestria. Um exemplo notável é o conturbado relacionamento entre Andrei Sator, o mafioso russo interpretado por Kenneth Branagh, e sua esposa Kat, vivida por Elizabeth Debicki. A performance de Debicki, cheia de nuances, confere profundidade à personagem, uma mulher presa entre a riqueza superficial e o abuso emocional. No clímax, a relação entre o Protagonista e Neil (Robert Pattinson) ganha destaque. Neil, com uma serenidade calculada, sugere ao Protagonista que um ajuste de contas o aguarda no futuro, deixando o espectador com um misto de antecipação e reflexão.
Com “Tenet”, Christopher Nolan reafirma sua habilidade em criar narrativas que equilibram tensão e espetáculo. Sua capacidade de unir emoção e grandiosidade o coloca ao lado de outros grandes realizadores contemporâneos, como Denis Villeneuve. Em um único filme, Nolan entrega um turbilhão de ideias, emoções e reviravoltas que desafiam o espectador a manter a atenção, recompensando aqueles que se permitem imergir em sua visão única.
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