Hollywood possui uma habilidade peculiar de explorar histórias de homens comuns que, em momentos decisivos, se tornam heróis, construindo narrativas que permanecem gravadas na memória coletiva. Um dos exemplos mais marcantes dessa fórmula é “Sully: O Herói do Rio Hudson” (2016), dirigido por Clint Eastwood. O longa retrata Chesley Sullenberger, o piloto que, em 2009, realizou uma aterrissagem de emergência no rio Hudson, salvando a vida de todos os passageiros a bordo. Eastwood conduz a trama explorando as camadas emocionais e psicológicas de Sully, apresentando ao público não apenas o evento heroico, mas também o perfil de um homem cujas ações foram inevitáveis diante das circunstâncias. O diretor constrói um retrato que vai além da superfície, tocando nos dilemas éticos e nas adversidades enfrentadas pelo protagonista, que, em vez de ser amplamente exaltado, teve de lidar com críticas e questionamentos intensos.
Longe de ser celebrado unanimemente, Sully enfrentou um escrutínio implacável. Foi acusado de exibicionismo por ter, supostamente, transformado uma situação potencialmente catastrófica em palco para demonstrar suas habilidades. Sob o peso de suspeitas infundadas, ele se tornou alvo de acusações que desconsideravam sua coragem e competência. Essa hostilidade reflete o paradoxo dos heróis genuínos: enquanto demonstram uma bravura incomum, muitas vezes tornam-se vítimas da inveja e da mesquinharia alheias. Eastwood ilustra essa dualidade de forma magistral, capturando a tensão entre o heroísmo inato e as consequências sociais de ações excepcionais.
Três anos após “Sully”, o diretor Gideon Raff trouxe uma abordagem igualmente cativante com “Missão no Mar Vermelho” (2019). O filme recria a operação real do Mossad, que resgatou centenas de judeus etíopes refugiados no Sudão durante os anos 1980. Raff enriquece a trama ao destacar os conflitos humanos e morais dos personagens, tornando o enredo mais instigante do que muitas narrativas de ficção que exploram batalhas épicas ou aventuras fantásticas. Desde os momentos iniciais, o diretor mergulha no melodrama, retratando a perseguição aos etíopes e sua fuga para caminhões estrategicamente posicionados pelos agentes israelenses. Mesmo diante de imprevistos que quase comprometem a missão, o protagonista Ari Levinson, interpretado por Chris Evans, conduz a narrativa com carisma e intensidade, sendo o ponto central ao redor do qual orbitam os dilemas e conflitos da história.
A decisão de Ari de permanecer no Sudão, mesmo sob risco de vida, reflete sua determinação em salvar os refugiados restantes, incluindo Kebede Bimro, vivido por Michael K. Williams. O roteiro de Raff começa a flertar com o surrealismo quando Ari concebe um plano audacioso: transformar um resort desativado no litoral sudanês em fachada para a operação de resgate. Essa abordagem inusitada, que mistura tensão, humor e drama, dá ao filme uma qualidade única. A equipe de Ari, composta por personagens como Sammy Navon (Alessandro Nivola), Rachel Reiter (Haley Bennett), e outros, precisa não apenas executar a missão, mas também gerenciar o resort como se fosse um negócio legítimo, atraindo turistas e mantendo as aparências. Essa dualidade entre a gravidade da missão e o absurdo da situação confere ao filme um charme peculiar, sustentado por uma narrativa que combina ação e humanidade.
Ainda que os oficiais superiores de Ari, interpretados por Greg Kinnear e Ben Kingsley, reconheçam sua insubordinação, optam por confiar em sua liderança. Essa dinâmica adiciona camadas ao filme, destacando os conflitos internos e externos que permeiam a missão. À medida que o hotel se torna um ponto turístico, o contraste entre a vida cotidiana e a operação secreta eleva o grau de complexidade narrativa, mantendo o espectador envolvido. É essa capacidade de equilibrar o surreal com o real que faz de “Missão no Mar Vermelho” uma obra instigante e inovadora, reafirmando o talento de Raff em capturar a essência de histórias humanas em meio a contextos extraordinários.
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