Baseado no romance homônimo de Donald Ray Pollock, publicado em 2011, “O Diabo de Cada Dia” é uma produção original da Netflix que mergulha em temas profundos e perturbadores, explorando a fragilidade da moralidade humana. Dirigido por Antonio Campos, filho do jornalista brasileiro Lucas Mendes, o filme reúne um elenco estrelado com nomes como Robert Pattinson, Tom Holland, Bill Skarsgård, Mia Wasikowska e Eliza Scanlen, representando o melhor de uma geração promissora. A adaptação, escrita por Campos e seu irmão Paulo Campos, é ambientada no sul de Ohio e na Virgínia Ocidental, entre o final da Segunda Guerra Mundial e os primeiros anos da Guerra do Vietnã.
A obra apresenta personagens cujas trajetórias convergem em dois grandes pilares: o ambiente opressivo e o papel dominante da religião. Essas forças moldam a narrativa de maneira tão central que se tornam, de certa forma, os verdadeiros protagonistas. A adaptação de Campos condensa a amplitude do livro original, concentrando-se em histórias específicas e omitindo outras, o que resulta em uma trama compacta, mas não menos densa.
O filme se organiza em três arcos principais. No centro da narrativa, temos Arvin Russell (Tom Holland), um jovem profundamente marcado por uma infância repleta de fanatismo religioso e tragédias incontroláveis. Ao seu lado está Lenora (Eliza Scanlen), sua irmã adotiva, uma adolescente vulnerável e extremamente devota, cuja fé acaba sendo manipulada pelo reverendo Preston Teagardin (Robert Pattinson), um pregador carismático e inescrupuloso que utiliza sua posição para seduzir jovens em situações vulneráveis.
Outro núcleo importante é o casal Carl (Jason Clarke) e Sandy Henderson (Riley Keough). Carl cultiva uma macabra obsessão que os leva a atrair jovens caroneiros, fotografá-los e, em seguida, assassiná-los em um ritual perturbador. Sandy, por sua vez, é irmã de um policial corrupto, Lee Bodecker (Sebastian Stan), cuja complacência em relação aos crimes da irmã reflete a hipocrisia e a podridão moral que permeiam o universo do filme.
Diferentemente de produções que apelam para sustos fáceis ou efeitos visuais exagerados, “O Diabo de Cada Dia” constrói sua atmosfera de tensão através da complexidade de seus personagens e do inevitável desenrolar de suas escolhas. A angústia do espectador não provém de monstros sobrenaturais, mas das profundezas da natureza humana. A atuação de Robert Pattinson como o reverendo Teagardin merece destaque especial. Inspirado por televangelistas, Pattinson dá vida a um personagem que combina crueldade com uma fachada enganadora de doçura, criando uma figura memorável e repulsiva.
Os personagens de Campos são cuidadosamente construídos para refletir as nuances da dualidade humana. Não há vilões ou heróis absolutos. Cada indivíduo carrega em si uma mistura de virtudes e pecados, bondade e malícia, compondo uma visão realista e brutal da condição humana. Questões como predestinação, herança de maldições e motivações existenciais perpassam o enredo, convidando o público a refletir sobre os limites entre o bem e o mal.
Visualmente e narrativamente, o filme é uma experiência intensa. As cenas marcantes, que evocam medo e desconforto, são frutos do desenrolar natural da trama e das ações dos personagens, sem recorrer a truques visuais ou efeitos artificiais. Antonio Campos demonstra habilidade ao equilibrar o sombrio e o reflexivo, entregando uma obra que desafia o espectador a confrontar os aspectos mais sombrios da alma humana.
O arco trágico de Lenora, o fervor religioso de Arvin e a morbidez do casal Carl e Sandy se entrelaçam em uma narrativa que, ao mesmo tempo em que revela o abismo moral de seus personagens, oferece um vislumbre de humanidade em meio à escuridão. “O Diabo de Cada Dia” é mais do que um thriller psicológico; é um estudo sobre como a fé, o desespero e o ambiente moldam as escolhas humanas, muitas vezes conduzindo a consequências irreparáveis.
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