O paradoxo da solidão, que nos acompanha do nascimento até a morte — uma das poucas certezas compartilhadas pela humanidade —, revela-se na ausência de genuíno interesse que muitas vezes encontramos nas pessoas ao nosso redor. Elas parecem desinteressadas em dividir emoções que dão sentido à existência ou sequer em respeitar aquilo que preferimos esconder do olhar alheio, por medo de surpresas desagradáveis. No entanto, mesmo com esse desejo quase instintivo pelo isolamento, continuamos nos esforçando para nos ajustar às expectativas externas. Seguimos padrões implícitos de comportamento, muitas vezes artificiais, que usamos como estratégia para desviar a atenção de nossas angústias, traumas e excentricidades. Esses subterfúgios podem até ajudar a tornar o cotidiano menos monótono, mas não nos livram do anseio universal de encontrar alguém que compartilhe, de forma honesta e despretensiosa, uma visão de mundo semelhante à nossa.
Com o passar dos anos, a maturidade traz consigo a percepção de que os laços formados na infância e adolescência são os que mais resistem aos tropeços da vida. Apesar disso, a própria vida tende a fragilizá-los, reforçando a ideia de que a amizade é uma força transformadora. Quando bem cultivada, tem o poder de mudar histórias e até de alterar o curso de realidades inteiras. Essa mistura mágica de desejos humanos, por mais contraditórios que sejam, cria um fenômeno único e intrigante, o verdadeiro segredo dos laços que não se rompem. Entretanto, este não é o cenário vivido pelos personagens de “Glass Onion: Um Mistério Knives Out”. Na continuação de uma franquia repleta de potencial, o diretor Rian Johnson mantém sua habilidade de construir um suspense envolvente, povoado por indivíduos abastados, mas irrelevantes, que se distraem com jogos perigosos em meio ao tédio de suas existências.
Inspirando-se em uma música dos Beatles, o roteiro de Johnson explora as complexidades das relações humanas, camadas aparentemente claras, mas que distorcem qualquer luz que as atravesse, transformando-a em energia destrutiva. O diretor continua reverenciando Agatha Christie — de forma inovadora, é claro —, sem abrir mão de elementos cômicos que temperam o enredo de maneira equilibrada, algo que certamente agradaria à Dama do Crime. Tal como no filme inaugural da série, Johnson subverte convenções do gênero ao brincar com a cronologia e os papéis dos personagens, revelando o assassino apenas no momento exato, mesmo quando ele sequer existe na maior parte da narrativa. No primeiro filme, o mistério girava em torno da morte do renomado escritor Harlan Thrombey, encontrado degolado em sua mansão. Já aqui, Benoït Blanc, o sofisticado detetive interpretado por Daniel Craig — cada vez mais seguro e expressivo em sua atuação —, encontra-se em um cenário igualmente inusitado, rodeado por figuras excêntricas e problemáticas.
A crítica social permeia o roteiro com sutileza, mas sem perder a mordacidade. Kate Hudson brilha como Birdie Jay, uma socialite imprudente que tenta mascarar sua insatisfação com festas extravagantes que frequentemente acabam em desastres. Sua postura controversa e sua ingenuidade quase criminosa nas redes sociais contrastam com a presença de Janelle Monáe, que entrega uma performance dupla, encarnando a voz da consciência em um grupo repleto de egos inflados. Johnson aborda temas contemporâneos, como intolerância racial e o culto à superficialidade, sem perder o tom de humor ácido que equilibra a narrativa.
O ponto mais questionável de “Glass Onion: Um Mistério Knives Out” talvez seja sua longa duração, que acaba alimentando especulações excessivas sobre o desenlace, embora este se revele engenhoso. Ainda assim, as falhas pontuais não ofuscam o impacto do filme, que reafirma o talento de Rian Johnson para inovar no gênero de mistério. É provável que Benoït Blanc tenha muito mais para oferecer em uma terceira aventura, prometendo, quem sabe, um equilíbrio ainda mais refinado entre entretenimento e reflexão.
★★★★★★★★★★