Escrito por Thomas Meyer e dirigido por Michael Steiner, “O Despertar de Motti” representou a Suíça como candidata ao Oscar de Melhor Filme Internacional em 2019, embora não tenha alcançado a indicação final. Trata-se de uma comédia dramática que explora, com ironia e perspicácia, as complexas dinâmicas de uma família judaica ortodoxa, utilizando estereótipos e clichês de forma inteligente para criar situações cômicas.
O protagonista, Motti (interpretado por Joel Basman), rompe a quarta parede e conversa diretamente com o espectador, explicando o roteiro de vida tradicional de um jovem judeu ortodoxo: nascer, ser circuncidado, passar pelo bar mitzvah, enfrentar os shiduchim (encontros para casamentos arranjados), ter muitos filhos, trabalhar, envelhecer e, por fim, morrer. Prestes a ingressar na vida adulta, Motti sente o peso das expectativas de sua mãe, que está determinada a casá-lo com uma jovem da comunidade. No entanto, ele não compartilha da mesma empolgação.
As tensões familiares, especialmente em relações marcadas por controle e abuso emocional, frequentemente ganham espaço no cinema. No caso das comédias, essas dinâmicas ganham uma roupagem que transforma situações desconfortáveis em momentos de humor ácido. Embora tais relações possam parecer exageradas na ficção, elas encontram reflexos na vida real, onde muitos pais utilizam sua autoridade de forma manipuladora ou coercitiva, sem qualquer vínculo específico com religião ou cultura.
Na narrativa, após uma série de encontros frustrados organizados pela mãe, Motti encontra Michal (Lena Kalisch). Ambos, exaustos das pressões familiares, decidem simular um noivado como uma tentativa de escapar temporariamente dos encontros arranjados. Para Motti, no entanto, há um problema ainda mais complexo: ele está apaixonado por Laura (Noémie Schmidt), uma colega da faculdade que não pertence à comunidade judaica. Consciente de que essa relação seria inaceitável para seus pais, ele se aproxima de Laura às escondidas. À medida que o romance se desenrola, Motti começa a se distanciar das tradições que sempre o definiram — raspa a barba, adota um estilo mais moderno e troca as roupas formais por um visual descontraído.
Entretanto, quando sua mãe descobre que o noivado com Michal era uma mentira, decide enviá-lo a Israel, na esperança de que ele conheça uma “verdadeira” jovem judia. Mas, em Tel Aviv, Motti se encontra em um cenário inesperado: ele mergulha em um ambiente secular, frequenta aulas de yoga e conhece Jael (Meytal Gal Suisa), uma judia que rompe com as tradições ortodoxas. Diferente do esperado, Jael não deseja um relacionamento sério; sua conexão com Motti é casual e livre de compromissos. Quando ele comunica essa realidade à mãe, Judith (Inge Maux), uma figura intensa e controladora, ela reage com um colapso emocional, um entre muitos ao longo da trama.
O filme alterna entre os idiomas alemão, iídiche e hebraico, refletindo a complexa jornada de Motti para definir sua própria identidade. De volta à Suíça, mais confiante e sexualmente experiente, ele retoma o contato com Laura, com quem compartilha uma noite especial. Determinado a enfrentar as consequências, ele decide apresentá-la aos pais, mas o encontro gera um conflito ainda mais profundo do que ele havia antecipado. Sentindo-se cada vez mais impotente, isolado e infeliz, Motti é forçado a confrontar sua família, seus valores e seus sentimentos para decidir que rumo dará à sua vida.
A narrativa equilibra humor e crítica social, mostrando, de maneira cativante, os desafios enfrentados por quem busca equilibrar tradições familiares e autonomia pessoal. Mais do que uma comédia, “O Despertar de Motti” é um retrato envolvente das tensões entre o coletivo e o individual, entre o que esperamos de nós mesmos e o que os outros esperam de nós.
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