Seria possível corrigir os erros que cometemos, especialmente aqueles que impactaram profundamente outra pessoa e, como consequência, deixaram marcas indeléveis em nossa própria existência? Essa é a reflexão que Vicky Wight propõe em “Felicidade para Principiantes”, uma narrativa que acompanha a jornada de autodescoberta de uma mulher comum, cujos anseios de autoconhecimento frequentemente a imobilizam. Adaptado do romance de Katherine Center, publicado em 2015, o filme captura a essência de um texto ágil e despretensioso, moldado pela participação da própria autora no roteiro.
Center, conhecida por explorar com sensibilidade as complexidades da alma feminina, oferece aqui mais um enredo que dialoga não apenas com mulheres, mas com qualquer pessoa em busca de respostas para os dilemas do cotidiano. Afinal, viver é equilibrar-se entre os tropeços e os acasos, aprendendo a lidar tanto com as armadilhas quanto com os pequenos momentos de graça que tornam a existência digna de ser experimentada. O verdadeiro desafio da vida pode estar em identificar, no instante em que surge, se o inesperado é uma dádiva genuína ou apenas um disfarce ilusório que nos conduz ao abismo.
O filme começa com uma cena visualmente poética: uma ponte iluminada ao anoitecer, conferindo um tom quase mágico ao cenário. É nesse contexto que conhecemos Helen, a protagonista interpretada por Ellie Kemper. Vestindo um elegante conjunto bege, ela está sentada em um sofá preto de couro, alheia à animação de uma festa que acontece na casa de seu irmão, Duncan, vivido por Alexander Koch. A atuação de Kemper encapsula com precisão a solidão de alguém que, mesmo cercado pela alegria dos outros, sente-se deslocado. Enquanto os convidados se divertem, Helen mergulha mais uma vez em sua lista de metas para uma próxima trilha, um hábito que parece ser sua válvula de escape sempre que a vida lhe escapa ao controle.
Uma foto antiga em seu celular a transporta para memórias de um passado aparentemente mais simples, quando acreditava que seu casamento com Michael (interpretado por Aaron Roman Weiner) seria eterno, apesar dos desencontros e da inevitável frustração de saber que ele nunca poderia oferecer o que ela realmente precisava. A ausência de Duncan, ocupado em um passeio com sua nova namorada, empurra Helen a deixar a festa mais cedo, mas não antes de um encontro inesperado com Jake, personagem de Luke Grimes, cuja atuação equilibra de forma impecável sensibilidade e leveza.
À medida que a trama avança, Helen e Jake revisitam mágoas e pendências do passado, enquanto a narrativa se encaminha para o verdadeiro ponto central: a jornada de 81 milhas pela Trilha dos Apalaches, que se estende de Connecticut a Nova York. Jake decide acompanhar Helen nessa aventura, trazendo novas dinâmicas à caminhada que, em essência, reflete o próprio percurso de superação e reinvenção pessoal da protagonista. Embora o filme possa sugerir que a trilha é menos desafiadora do que na realidade, Wight utiliza esse detalhe como uma metáfora para os desafios da vida e do amor, mostrando que eles podem parecer menos assustadores quando se tem disposição para enfrentá-los. E, claro, novos amores — com sua capacidade de trazer frescor e esperança — podem ser um incentivo poderoso para encarar o desconhecido.
Com uma abordagem que mistura introspecção, humor e uma pitada de romantismo, “Felicidade para Principiantes” nos lembra que as jornadas mais transformadoras são aquelas que nos desafiam a confrontar o passado e a nos abrir para novas possibilidades. Vicky Wight apresenta uma história que, embora simples na superfície, convida o público a refletir sobre os significados mais profundos do que é viver, perdoar e, acima de tudo, recomeçar.
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