Ernesto Contreras, cineasta conhecido por produções de impacto como “Eu Sonho em Outro Idioma”, “Coisas Impossíveis” e a série “El Chapo”, entrega mais uma obra marcante com “O Último Vagão”. Este novo filme, repleto de nuances emocionais e reflexões profundas, mergulha na história de Ikal (Kaarlo Isaac), um menino que chega a uma pequena e esquecida vila no interior do México, acompanhando seus pais em uma rotina de deslocamentos contínuos.
O pai de Ikal (Jero Medina), empregado na construção de ferrovias, vê-se constantemente forçado a mudar de cidade conforme as obras avançam. Essa instabilidade impede a família de criar raízes ou estabelecer laços duradouros. Para Ikal, isso significa uma infância marcada pela ausência de educação formal e pela dificuldade de formar amizades.
Ao chegar à vila, a família é abordada por Georgina (Adriana Barraza), uma professora dedicada que vê na alfabetização de Ikal uma missão urgente. Convencendo-o a frequentar a escola improvisada no vagão abandonado que administra, Georgina demonstra uma determinação exemplar. O local, desprovido de recursos públicos, é uma representação vívida da precariedade enfrentada pela comunidade. Enquanto Ikal se junta a outras crianças nas aulas, também recebe atenção individual para compensar o atraso em sua leitura.
Neste cenário de carência, Ikal vislumbra o que nunca teve: um lugar para chamar de lar. Ao lado de seus novos amigos — Valéria (Frida Sofía Cruz Salinas), Tuerto (Ikal Paredes) e Chico (Diego Montessoro) —, o menino vive momentos que misturam inocência e descoberta. A aldeia, apesar de sua simplicidade e abandono, oferece a Ikal experiências de amizade e pertencimento que ele jamais experimentara.
A cinematografia de Juan Pablo Ramírez, marcada por tons quentes e nostálgicos, evoca com sensibilidade a transição de Ikal e seus amigos da infância para a adolescência. As brincadeiras ao ar livre, as aulas cativantes de Georgina e o encanto das apresentações circenses recém-chegadas à vila conferem à narrativa um charme especial. Ao mesmo tempo, a história aborda os primeiros vislumbres de maturidade, como a consciência sobre valores éticos e o início de um amor puro entre Ikal e Valéria, representando a delicadeza dos primeiros afetos.
Baseado no romance de Angeles Donate, publicado em 2019, “O Último Vagão” vai além de uma narrativa sobre infância. O filme destaca a luta de Georgina contra as desigualdades sociais, esforçando-se para proporcionar dignidade e esperança a crianças com futuro incerto. Paralelamente, a obra examina as duras realidades do capitalismo, retratando os trabalhadores da ferrovia como figuras extenuadas por jornadas implacáveis, incapazes de garantir estabilidade para suas famílias. A precariedade é onipresente, mas a resiliência humana, simbolizada pela figura da professora, é o fio condutor da esperança.
Além das críticas sociais, o filme convida o espectador a revisitar a magia da infância e a reconhecer o impacto duradouro daqueles que cruzam nossos caminhos nesse período. É uma história que emociona, arrancando risos e lágrimas, enquanto desafia o público a refletir sobre questões desconfortáveis e, ao mesmo tempo, reveladoras. “O Último Vagão” é, sem dúvida, uma produção que amplia horizontes, mostrando como mesmo os cenários mais áridos podem ser férteis para a esperança e a transformação.
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