O best-seller que vendeu 30 milhões de cópias e virou Oscar está de saída da Netflix Divulgação / The Weinstein Pictures

O best-seller que vendeu 30 milhões de cópias e virou Oscar está de saída da Netflix

Algumas histórias exploram o passado como um animal indomável, guardado sob um frágil controle, até que, inevitavelmente, se liberta para revelar sua força esmagadora. “O Leitor”, uma adaptação do romance de Bernhard Schlink, navega por essa ideia, oferecendo um olhar profundo sobre a colisão entre desejo, culpa e escolhas morais. A trama desafia o público a refletir sobre como nossos atos reverberam no tempo e sobre o impacto de decisões que, em determinado momento, pareciam inevitáveis, mas cuja carga emocional nunca desaparece completamente.

O filme narra a conturbada relação entre Michael Berg, um jovem de 15 anos, e Hanna Schmitz, uma mulher quase duas décadas mais velha. A conexão entre os dois nasce de circunstâncias pouco usuais, desenvolve-se em um terreno minado por diferenças morais e termina com uma devastação emocional para ambos. É uma história sobre as forças que regem nossos destinos — ética, desejo, poder e acaso —, conduzida com maestria por Stephen Daldry, que transforma o texto literário em um drama visualmente impactante e moralmente ambíguo.

A narrativa se inicia em 1995, com Michael, agora um homem maduro, preso a memórias dolorosas que o levam de volta ao final da década de 1950. Na Berlim do pós-guerra, um Michael adolescente, exausto e solitário, é resgatado de um estado quase terminal por Hanna, uma mulher enigmática que, sem rodeios, o leva para casa e cuida dele. No entanto, o que poderia parecer um ato altruísta logo assume contornos mais obscuros. O relacionamento entre eles evolui rapidamente para um arranjo de intimidade física, condicionado por um hábito peculiar: antes de cada encontro, Michael deve ler para Hanna.

David Kross, interpretando Michael jovem, captura com precisão a vulnerabilidade e a fascinação de um garoto preso entre a submissão e a descoberta de si mesmo. Kate Winslet, por sua vez, entrega uma performance assombrosa como Hanna, equilibrando loucura e carisma em uma personagem que oscila entre a figura de mentora e a de uma antagonista moral. Quando Hanna desaparece sem deixar rastro, Michael segue sua vida — mas ela reaparece de forma inesperada anos depois, no banco dos réus de um julgamento histórico sobre crimes de guerra nazistas.

O reencontro ocorre em 1966, quando Michael, agora estudante de direito, reconhece Hanna em um tribunal. Ela está sendo julgada por sua participação nos horrores do regime nazista, e sua presença força Michael a confrontar verdades que ele havia tentado reprimir. Ralph Fiennes assume o papel de Michael adulto, trazendo uma intensidade silenciosa a um homem consumido pelo peso do passado e pelas escolhas que o definiram. Ao assistir Hanna ser exposta como cúmplice de atos atrozes, ele é jogado em um abismo emocional: entre a repulsa por seus crimes e a lembrança de sua conexão com ela.

O dilema moral de Michael é intrincado e doloroso. Sua relação com Hanna é uma ferida aberta que nunca cicatriza, ressurgindo mesmo em momentos que deveriam representar um recomeço. O envolvimento posterior com Rose Mather, interpretada por Lena Olin, ilustra esse ciclo de dor. Rose, uma sobrevivente judia, torna-se um reflexo invertido de Hanna, trazendo ao protagonista uma nova camada de sofrimento, enquanto ele revisita, ainda que inconscientemente, os traumas que marcaram sua juventude.

“O Leitor” se destaca por sua recusa em oferecer respostas definitivas ou julgamentos simples. Stephen Daldry constrói uma narrativa onde os personagens estão imersos em dilemas éticos profundos, forçando o público a abandonar a zona de conforto de heróis e vilões claros. Hanna, com todos os seus defeitos e crimes, não é retratada apenas como uma monstruosidade. Da mesma forma, Michael, embora menos diretamente culpado, não escapa da análise crítica de suas ações e omissões.

A obra também aborda como o acaso pode redirecionar vidas inteiras. As escolhas que moldam Michael e Hanna estão enraizadas em momentos de impulsividade e circunstâncias que fogem ao controle. Essa imprevisibilidade dá à história um tom universal: todos carregamos segredos, arrependimentos e dilemas que resistem ao tempo. Reconhecê-los exige coragem, especialmente em uma sociedade onde julgamentos são rápidos e implacáveis.

“O Leitor” é mais do que um drama de guerra ou uma história de amor tóxico. É uma meditação sobre moralidade, vergonha e redenção — ou a ausência dela. Por meio de atuações poderosas, uma direção impecável e um roteiro que respeita as nuances do material original, o filme convida o público a encarar as camadas complexas da experiência humana. Não há respostas fáceis, nem conclusões definitivas, mas é exatamente nesse espaço de incerteza que reside sua força.

Stephen Daldry oferece uma narrativa que desafia a lógica simplista de culpa e inocência. “O Leitor” é uma história que reflete as imperfeições da vida e os conflitos do espírito humano, proporcionando ao espectador não apenas entretenimento, mas uma oportunidade rara de introspecção e aprendizado.

Filme: O Leitor
Diretor: Stephen Daldry
Ano: 2008
Gênero: Drama/Guerra/Suspense
Avaliaçao: 9/10 1 1
★★★★★★★★★