A célebre máxima de Winston Churchill sobre a inevitabilidade da guerra ecoa em tempos de tirania: enfrentar os opressores é muitas vezes a única forma de preservar a dignidade e a liberdade. Em regimes autoritários, como o instaurado por Francisco Franco na Espanha, a covardia disfarçada de virtude cria o ambiente ideal para que ditadores consolidem seu poder. Franco, admirado por suas proezas militares, galgou posições rapidamente, tornando-se general aos 34 anos e, mais tarde, chefe do Estado-Maior. Sua ascensão coincidiu com tempos de polarização e crise social, culminando na Guerra Civil Espanhola (1936-1939), marco de sua consolidação como líder do regime fascista espanhol.
Nesse cenário histórico, surge “Surdo” (2019), dirigido por Alfonso Cortés-Cavanillas, uma narrativa que revisita a Guerra Civil Espanhola para explorar os efeitos da tirania e da luta pela sobrevivência. Inspirado por “Por Quem os Sinos Dobram”, de Ernest Hemingway, o filme extrapola o contexto histórico ao transformar a guerra em palco de revoluções pessoais e coletivas. Anselmo Rojas, o protagonista vivido por Asier Etxeandia, é um anti-herói emblemático, marcado pela perda de audição causada por uma explosão, que passa a encarar o mundo com uma ferocidade entremeada por fragilidade. Cortés-Cavanillas utiliza cortes de áudio nas cenas para colocar o espectador dentro da experiência de Rojas, intensificando a conexão com sua luta interna e externa.
O roteiro, coescrito por Cortés-Cavanillas e Juan Carlos Díaz, equilibra elementos históricos e fictícios com maestria. Personagens como Rosa Ribagorda, uma camponesa negligenciada por seu marido, e Darya Sergueiévitch, uma mercenária presa a uma paixão silenciosa, oferecem contrapontos que exploram a complexidade das relações humanas em tempos de guerra. Esses elementos dão ao filme camadas adicionais, ultrapassando o simples retrato de um período histórico e mergulhando nas tensões emocionais e morais dos indivíduos envolvidos.
“Surdo” vai além de um relato histórico. É uma análise profunda sobre os efeitos da guerra nas pessoas, explorando como o amor, a solidão e a resistência podem coexistir em um cenário de destruição. Alfonso Cortés-Cavanillas constrói um retrato envolvente e perturbador, onde o silêncio de Rojas ecoa mais alto que qualquer discurso, e onde cada personagem luta, a seu modo, contra a opressão e os próprios dilemas internos.
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