O cinema frequentemente recria épocas e lugares, ajustando-se aos desejos do público e às demandas do mercado. “Terra Selvagem”, o thriller com nuances de faroeste dirigido por Taylor Sheridan, exemplifica essa busca por reconstituir a aura de um tempo que parece ter se dissipado — uma tentativa em parte bem-sucedida. Sheridan, responsável pelos roteiros densos de obras como “Sicario: Terra de Ninguém” (2015), de Denis Villeneuve; “Sicario: Dia do Soldado” (2018), dirigido por Stefano Sollima; e “A Qualquer Custo” (2016), de David Mackenzie, assume aqui o comando total da narrativa. Ele transporta elementos apenas sugeridos nesses roteiros para uma abordagem mais direta, concentrando-se na complexidade psicológica de um anti-herói que provoca reações intensas e variadas.
No poema de Emily Lambert, filha de Cory, o experiente caçador de lobos de Lander, Wyoming, encontra-se uma imagem idealizada: um prado onde galhos dançam ao sabor do vento. A poesia, entretanto, contrasta brutalmente com a realidade enfrentada por Cory, vivido por Jeremy Renner em uma atuação marcante. A morte de Emily, anos antes, deixou marcas profundas, que ele tenta minimizar sem sucesso. Fingir que não sente sua ausência talvez seja um mecanismo de defesa, mas a dor latente é inescapável, como ele admite em um momento crucial da trama: filhos demandam atenção constante, e o peso dessa verdade alimenta a angústia que o persegue.
Quando outro caso trágico emerge — o desaparecimento de Natalie, uma jovem indígena —, Cory é novamente lançado ao abismo emocional. No entanto, desta vez, sua resposta é diferente. Mesmo que a sombra da autodestruição ainda paire sobre ele, a necessidade de agir prevalece, motivada por um senso de dever e justiça. Essa transformação, embora sutil, adiciona camadas à narrativa e ao personagem, evitando soluções fáceis ou simplistas.
A direção de fotografia de Ben Richardson merece destaque por contrabalançar o clima de tensão quase sufocante do roteiro. O uso de paisagens desoladas, como a neve manchada de sangue após Cory abater um lobo, enfatiza a dicotomia entre a beleza natural e a violência inevitável da trama. Pequenos detalhes, como o contraste entre o vestuário inadequado da agente Jane Banner (Elizabeth Olsen) e as condições inóspitas do Wyoming, reforçam o choque cultural e os desafios enfrentados por ela. Recrutada pelo FBI para investigar o desaparecimento de Natalie, Jane se depara não apenas com o clima hostil, mas também com a apatia das autoridades locais, que parecem incapazes — ou relutantes — em lidar com o caso.
À medida que o enredo avança, Sheridan desloca o foco para questões sociais mais amplas, como a negligência histórica em relação às comunidades indígenas. Essa preocupação emerge de forma incisiva em cenas como o diálogo entre Cory e Martin Hanson (interpretado com intensidade por Gil Birmingham). Sentados em meio a um inverno implacável, os dois aguardam uma justiça que raramente se concretiza para aqueles que vivem às margens da sociedade. Nesse momento, o filme transcende seu gênero, transformando-se em uma reflexão amarga sobre perda, resistência e a luta por dignidade em um mundo indiferente.
★★★★★★★★★★