Marcos Carnevale explora com sensibilidade a complexidade de pessoas neurodivergentes em sua filmografia, abordando temas que vão além das limitações aparentes para destacar a humanidade e a profundidade emocional de seus personagens. Em “Anita” (2009), ele retrata a jornada de uma jovem com síndrome de Down que precisa se adaptar ao mundo após um afastamento abrupto da mãe. Já em “Goyo”, o diretor argentino nos conduz por uma narrativa igualmente impactante, agora centrada em um homem com Síndrome de Asperger, um transtorno do espectro autista que desafia sua capacidade de comunicação e interação social, apesar de suas inúmeras qualidades.
Gregório, o protagonista, é um guia de museu com um intelecto fascinante e uma compreensão enciclopédica das obras que apresenta, mas que enfrenta dificuldades para lidar com emoções complexas, como o amor que sente por uma colega de trabalho. Carnevale constrói o personagem com uma sutileza marcante, equilibrando suas dificuldades sociais com sua autonomia e as escolhas que faz ao longo da trama. Apesar da superproteção constante de Saula, sua irmã mais velha vivida por Soledad Villamil, e do impacto da rejeição materna, que moldaram sua história, Gregório não é definido apenas por suas circunstâncias. Ele é, acima de tudo, responsável por seus passos, sejam eles acertados ou não. A narrativa flui como um quebra-cabeça emocional, com o diretor explorando as complexidades da vida de Goyo e buscando uma resolução para a nuvem de incerteza que paira sobre o personagem, um homem em busca de felicidade e realização.
Carnevale aborda o impacto das adversidades na vida de gênios e artistas, mostrando como experiências pessoais moldam sua visão de mundo. Grandes nomes da história, como Ernest Hemingway, são apresentados como exemplos de como dificuldades podem gerar obras imortais. Durante seu autoexílio em Cuba, Hemingway deixou-se consumir por uma vida de lazer e contemplação, até que uma provocação editorial deu origem a “O Velho e O Mar”, uma obra-prima que consolidou seu lugar na literatura do século 20. A mesma lógica pode ser aplicada a Vincent van Gogh, cuja arte nasce de uma luta interna profunda, e, no universo fictício de Carnevale, encontra paralelo em “Goyo”, um personagem cuja arte se torna uma válvula de expressão e autodefinição.
O talento artístico de Gregório é sua ponte para o mundo, e, ao longo do filme, fica claro que a validação como pintor é tão essencial para sua identidade quanto os relacionamentos humanos que tenta construir. Dois desses vínculos assumem destaque: o envolvimento com Eva Montero, uma mulher mais velha e mãe de dois filhos, e o retorno de Magdalena, sua mãe, que parece mais interessada em reviver conflitos do que em buscar reconciliação. Apesar de o filme não tornar explícita a relação entre a arte de Gregório e sua autodescoberta, Carnevale insinua que é nesse talento que reside sua verdadeira iluminação. A escolha de Nicolás Furtado para interpretar Goyo traz intensidade e autenticidade à narrativa, embora o filme peque ao não explorar plenamente as camadas emocionais e sociais do protagonista.
Carnevale traça um paralelo entre a genialidade artística e os desafios impostos pela vida real, mas deixa o público imaginar algumas das respostas mais profundas. Ainda assim, “Goyo” apresenta uma narrativa rica em nuances, evocando reflexões sobre o que significa encontrar um lugar no mundo, superar as barreiras internas e externas, e ser reconhecido não apenas por quem se é, mas também pelo que se cria. O filme reafirma o talento de Carnevale para contar histórias humanas, onde as imperfeições são parte integral da jornada.
★★★★★★★★★★