Um jovem impetuoso começa a experimentar as difíceis escolhas da vida adulta, onde cada decisão traz consigo o peso de uma renúncia. Movido por seus instintos incontroláveis, ele ultrapassa limites que sua imaturidade o impede de compreender, o que resulta em um ato impulsivo com consequências devastadoras. Encarcerado, ele nutre planos de vingança, mas ao ser libertado, descobre novas razões para seguir em outra direção. Agora, sua obsessão recai sobre uma mulher que o enfeitiçou, embora ela seja casada com o homem que ele condenou a um destino trágico. Em um cenário de paixões desenfreadas, a presença desse intruso ameaça a aparente harmonia de dois casais, enquanto ele luta entre ceder ao desejo ou revisar suas intenções. Contudo, o desejo é mais forte, e ele está disposto a tudo para convencê-la a abandonar tudo por um amor que desafia a sanidade.
Esse é o universo de Pedro Almodóvar em “Carne Trêmula” (1997), um marco na filmografia do diretor, que aqui atinge o ápice de sua expressão artística. O filme transborda melodrama, onde personagens intensamente coloridos convivem com desejos contraditórios — alguns legítimos, outros carregados de maldição, mas todos irrenunciáveis. A narrativa pulsante se concentra em Víctor Plaza, interpretado por Liberto Rabal, filho de uma prostituta, nascido em meio ao silêncio opressor da Madri de 1970. Em pleno regime de Francisco Franco, a Espanha mergulhava em um período sombrio. Com a morte do ditador, o país desperta lentamente, e Víctor, como reflexo dessa nação, busca recuperar o tempo perdido, mesmo que sua jornada seja marcada por violência e desejo.
Escrito em colaboração com Jorge Guerricaechevarría e Ray Loriga, o roteiro de Almodóvar carrega uma carga de brutalidade emocional que se conecta com o espírito de seu tempo. A visceralidade de “Carne Trêmula” o torna uma antítese de “Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos” (1988), substituindo o humor cáustico pela intensidade das paixões humanas. Víctor, o anti-herói, não hesita em destruir barreiras para reconquistar Elena (Francesca Neri), mulher com quem compartilhou uma noite inesquecível e que agora é esposa de David (Javier Bardem), um policial cuja relação com ela se construiu sobre tragédia e remorso. O reencontro dos personagens na casa de Elena é carregado de tensão, com David e seu colega Sancho (Pepe Sancho) contribuindo para um clima sufocante que culmina em desfecho inevitavelmente trágico. A entrada de Clara (Ángela Molina), esposa de Sancho e amante de Víctor, adiciona camadas à trama e leva a narrativa a um clímax onde o amor idealizado é despido de qualquer ilusão.
Almodóvar explora as contradições humanas com maestria, suavizando o peso do drama por meio de sua estética hiperbólica. Cores vibrantes, diálogos meticulosamente construídos e uma sensualidade crua compõem uma obra que desafia o tempo. Em um mundo dominado por blockbusters vazios, “Carne Trêmula” permanece como um exemplo de cinema com alma, reafirmando que as histórias de Almodóvar são, acima de tudo, um mergulho profundo nas emoções humanas, onde a carne é apenas um ponto de partida para explorar a alma.
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