Segundo filme mais assistido da história da Netflix, visto por 171 milhões de assinantes Niko Tavernise / Netflix

Segundo filme mais assistido da história da Netflix, visto por 171 milhões de assinantes

Em “Não Olhe para Cima”, Adam McKay apresenta sua versão de um dos maiores temores da humanidade, o qual também serve de alívio para muitos: o fim iminente. Lançado em 2021, o filme chega em um contexto marcado por dois anos de isolamento forçado devido à pandemia, que não apenas alterou a percepção coletiva, mas também ceifou muitas vidas. McKay, com sua combinação de humor e crítica social, explora em seu filme uma visão cáustica sobre o papel das redes sociais, a aceleração tecnológica, as catástrofes climáticas e a superficialidade de celebridades, abordando o estado atual do mundo com uma mistura de comédia e tragédia. Cada tema é tratado de forma separada, mas quando se entrelaçam, o resultado é uma sátira mordaz sobre a vida no século 21, onde McKay não hesita em orientar o espectador sobre o que realmente importa ou não.

A trama segue a estrutura clássica de filmes cataclísmicos, com um cometa prestes a destruir a Terra. A descoberta do corpo celeste é feita pelo astrônomo Randall Mindy, da Universidade do Michigan, e sua assistente, Kate Dibiasky. Ambos se veem forçados a explicar à Casa Branca a iminência da colisão, que ocorrerá em seis meses e 14 dias. A dupla, interpretada por Leonardo DiCaprio e Jennifer Lawrence, parte em direção à presidente dos Estados Unidos, Janie Orlean (Meryl Streep), acreditando que ela levará a ameaça a sério e tomará medidas para mitigar os danos, como se isso fosse possível. O cenário que encontram é absurdamente kafkiano, com Orlean demorando sete horas para atendê-los, pois estava envolvida nas discussões sobre a nomeação de um juiz para a Suprema Corte, uma situação tão disfuncional quanto as cenas que se repetem frequentemente em um país sul-americano.

A partir daí, o filme adentra uma crítica política explícita, onde a Casa Branca se afunda em uma narrativa cada vez mais grotesca e farsesca, mas ao mesmo tempo, perfeitamente plausível. A presidente, obcecada pelas próximas eleições legislativas, vê a ameaça do cometa como uma preocupação secundária, sua sobrevivência política tomando prioridade. McKay, com uma ironia cortante, sugere que a natureza humana está mais voltada para as intrigas políticas e os escândalos do que para as grandes ameaças cósmicas. A reação de Orlean é um reflexo de uma sociedade focada nas questões pessoais e nos problemas imediatos, desconsiderando os perigos que podem parecer distantes ou até irreais, um reflexo do comportamento humano diante de catástrofes anunciadas. A trama nos leva a uma reflexão profunda sobre o quanto estamos, de fato, preparados para lidar com as grandes questões do mundo, quando estas estão em conflito com nossas ambições pessoais e políticas.

Em um universo cinematográfico repleto de personagens secundários, as figuras dos jornalistas Jack Bremmer e Brie Evantee, interpretados por Tyler Perry e Cate Blanchett, desempenham um papel crucial na construção da narrativa. Eles são responsáveis por transformar o cataclismo iminente em espetáculo, adicionando uma camada de crítica ao sensacionalismo da mídia. A entrevista de Mindy e Dibiasky, realizada pelos âncoras, é um dos pontos mais agudos do filme, sublinhando a banalização do conhecimento científico e o desprezo por fatos em uma sociedade cada vez mais marcada pelo negacionismo e pela ignorância. A cena em que Dibiasky, desesperada, grita na televisão que todos estão condenados, é um momento de grande tensão, refletindo a verdadeira distopia em que vivemos, onde a verdade é manipulada e a ciência é constantemente desacreditada.

A crítica social de McKay é complementada pelo trabalho impressionante da equipe de efeitos visuais, que, mesmo ao final do filme, nos oferece um vislumbre de esperança. No entanto, essa esperança é fugaz, como um alívio temporário diante da fúria de líderes demagogos e da manipulação das massas. O cinema, como McKay sugere, não é uma solução para nossos problemas, mas uma forma de escapar, de iludir e, por fim, de confrontar a realidade de maneira simbólica. Em um mundo onde a política e o espetáculo se confundem, o filme nos alerta para a necessidade de olhar mais de perto para os verdadeiros perigos à nossa volta. Não olhe para baixo, pois a verdade está sempre acima de nós, esperando para ser descoberta, ou ignorada.

Com esta obra, McKay não apenas questiona o futuro da humanidade, mas também nos desafia a refletir sobre nossas próprias escolhas e atitudes diante de uma catástrofe que, embora representada de forma exagerada e hilária, é um espelho do nosso mundo real. O cometa em “Não Olhe para Cima” pode ser metafórico, mas a ameaça que ele representa é muito mais próxima do que imaginamos.

Filme: Não Olhe Para Cima
Diretor: Adam Mckay
Ano: 2018
Gênero: Comédia/Drama/Ficção Científica
Avaliaçao: 9/10 1 1
★★★★★★★★★