“O Albergue” carrega em si a marca de um terror clássico e visceral. Sob a produção de Quentin Tarantino e com a direção habilidosa de Eli Roth, o longa reverbera influências de mestres como George Romero, John Carpenter, Wes Craven e Mario Bava. Sua essência parece desenhada para capturar o espectador em um cinema lotado, onde o medo se amplifica no coletivo. Diferente de muitos exemplares modernos do gênero, o filme possui uma honestidade crua, elemento frequentemente ausente nas obras contemporâneas.
Roth, ciente de suas limitações como diretor, explora com precisão o que funciona dentro da narrativa proposta. Seus cortes cuidadosos permitem ao público imaginar desdobramentos enquanto a tensão cresce. A trama se alicerça em convenções do gênero, mas ganha força com a fotografia impecável de Milan Chadima, que mantém o longa envolto em uma neblina constante, como se a escuridão fosse parte do cenário e do mistério que cerca a história. Somado a isso, a trilha sonora de Nathan Barr eleva a experiência ao instaurar uma aura de suspense que se infiltra em cada cena.
O filme não tenta reinventar o terror, mas entrega algo simples e bem executado. A história segue Josh (Derek Richardson), Paxton (Jay Hernandez) e Oli (Eythor Gudjonsson), três jovens explorando a Europa em busca de prazeres hedonistas. Após um pit stop em Amsterdã, onde mergulham em uma cultura de excessos, ouvem relatos sobre Bratislava, um local que promete prazeres ainda mais intensos. Encantados pela ideia, eles embarcam rumo ao que acreditam ser o ápice de suas aventuras, alheios aos perigos que os aguardam.
A trajetória de Roth no terror já havia chamado atenção com “Cabana do Inferno” (2002), onde turistas são perseguidos por uma ameaça biológica que devora seus corpos de dentro para fora. Essa abordagem que combina humor negro e horror grotesco se repete em “O Albergue”, mas com um teor ainda mais sombrio. Rumores apontam que o roteiro teria se inspirado em histórias de mafiosos tailandeses que ofereciam, por uma quantia exorbitante, a possibilidade de assassinar pessoas de baixa renda, cujas famílias seriam compensadas financeiramente. Ainda que Roth negue essa inspiração, ele transporta a ideia para um contexto europeu, adicionando um toque decadente e vampiresco ao cenário.
Conforme o enredo avança, a narrativa toma um rumo brutal, abandonando a construção inicial em prol de uma violência extrema e aparentemente gratuita. Embora essa mudança drástica comprometa o carisma dos protagonistas, ela revela outro eixo narrativo, centrado em personagens secundárias como Barbara Nedeljakova e Jana Kaderabkova. Essas mulheres assumem um papel de destaque que desafia as expectativas e injeta um dinamismo tardio à trama.
O filme também se apresenta como uma crítica incisiva à arrogância e ao senso de superioridade do turista americano, branco e privilegiado, que se vê no exterior como um conquistador invencível. Essa crítica social confere ao longa um significado que vai além do horror visual, evidenciando como o gênero pode ser um espelho para comportamentos e mentalidades contemporâneas. No entanto, é lamentável que essa perspectiva não seja explorada de maneira consistente ao longo do filme, tornando-se visível apenas em seus momentos finais.
Apesar de seus altos e baixos, “O Albergue” se mantém como uma experiência marcante, especialmente para aqueles que apreciam o terror que confronta e desafia, ao invés de apenas entreter. Roth demonstra que, mesmo quando abdica de seus protagonistas, ele ainda sabe como conduzir uma história capaz de perturbar e provocar reflexões, ainda que, para isso, precise mergulhar o espectador em um banho de sangue e caos.
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