Se você ainda não assistiu “Central do Brasil”, disponível na Netflix, é imprescindível que se familiarize com essa obra-prima do cinema nacional. Embora seja difícil afirmar que é o melhor filme já produzido no Brasil, não há dúvida de que ele figura entre os mais reconhecidos internacionalmente. Com duas indicações ao Oscar, nas categorias de Melhor Filme Internacional e Melhor Atriz, o longa-metragem também fez história ao garantir a única indicação de Fernanda Montenegro na premiação, tornando-se um marco significativo para o cinema brasileiro. Vale lembrar que outros filmes do Brasil, como “Cidade de Deus”, de Fernando Meirelles e Kátia Lund, também alcançaram destaque internacional, com quatro indicações ao Oscar, incluindo Melhor Diretor, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Fotografia e Melhor Edição.
Dirigido pelo aclamado Walter Salles, “Central do Brasil” narra a tocante jornada de Dora (Fernanda Montenegro), uma mulher que, depois de perder sua carreira como professora, passa a se sustentar escrevendo cartas para pessoas analfabetas na estação Central do Brasil, no Rio de Janeiro. Cínica, amargurada e marcada pela dor de uma vida difícil, Dora mantém uma atitude indiferente às esperanças daqueles que a procuram, engavetando as cartas sem enviá-las. Seu mundo, até então apático, sofre uma reviravolta quando ela conhece Ana (Soia Lira), uma mulher que pede uma carta para seu marido desaparecido. Ao lado de Ana está o filho de nove anos, Josué (Vinícius de Oliveira), um menino que, após um trágico acidente que mata sua mãe, acaba sendo deixado sob os cuidados de Dora.
No começo, Dora tem a intenção de vender Josué a uma rede de adoção ilegal, mas uma mudança interior a faz decidir cuidar do menino. Ela o leva em uma viagem ao interior do Brasil, com o objetivo de encontrar o pai de Josué. Ao longo dessa jornada, ambos enfrentam desafios e dificuldades, mas também descobrem o poder do afeto, da amizade e da solidariedade. O impacto da relação entre Dora e Josué é profundo, e o filme nos convida a refletir sobre redenção e esperança. A transformação de Dora, de uma mulher desconfiada e solitária para alguém capaz de amar e se conectar com outra pessoa, é uma das maiores forças do filme. A conexão entre os dois é tão intensa que, ao final da projeção, a sensação que fica é de que algo profundo e transformador se desenrolou diante de nossos olhos.
O papel de Josué foi disputado por mais de 1.500 meninos, e quem venceu foi Vinícius de Oliveira, que não era ator profissional e trabalhava como engraxate no Aeroporto Santos Dumont. Ele foi descoberto por um assistente de direção que o convidou para os testes, e sua atuação foi tão espontânea e comovente que se tornou um dos grandes destaques do filme. Outro fato curioso é que, apesar de Fernanda Montenegro ser uma atriz consagrada, algumas cenas do filme foram filmadas com pessoas reais, que realmente se aproximavam dela para pedir a escrita de cartas, o que acrescentou uma camada de realismo ao trabalho.
Após o lançamento do filme, a Central do Brasil, que antes era um ponto de referência da cidade, passou a ser um local de turismo, especialmente para aqueles que queriam vivenciar o cenário que foi eternizado pela película. A estação foi reformada, e sua fama cresceu, pois o filme não apenas colocou o local em destaque, mas também refletiu a importância cultural e histórica do Rio de Janeiro.
Embora “Central do Brasil” tenha conquistado o reconhecimento mundial, incluindo sua indicação ao Oscar, o prêmio de Melhor Filme Internacional acabou ficando com o italiano “A Vida é Bela”, de Roberto Benigni, uma produção sobre o Holocausto. Além disso, o Oscar de Melhor Atriz, que muitos consideravam destinado a Fernanda Montenegro, foi para Gwyneth Paltrow, que venceu por sua performance em “Shakespeare Apaixonado”. Esse resultado gerou uma enorme controvérsia, especialmente porque Montenegro era amplamente vista como a favorita para o prêmio. A disputa acirrada entre os filmes e o lobby de campanhas feitas pela produção de “Shakespeare Apaixonado” acabaram por influenciar o desfecho da premiação, o que deixou muitos fãs do cinema brasileiro indignados.
No entanto, o legado de “Central do Brasil” vai além das premiações. O filme permanece como um dos maiores exemplos de sensibilidade e profundidade emocional do cinema brasileiro, refletindo a riqueza da nossa cultura, a complexidade das relações humanas e a eterna busca por pertencimento e reconciliação. A performance de Fernanda Montenegro, imortalizada por sua intensa interpretação, e a direção de Walter Salles, que soube transformar uma simples jornada de estrada em uma reflexão profunda sobre a vida, fazem deste filme um marco incontestável.
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