Se todas as cartas de amor são ridículas — e são —, o que dizer das cartas de amor que alguém escreve para a razão de seu afeto, nas quais derrama-se em sentimentos que não confessaria nem às paredes? A despeito da ideia que mais se coadune com a visão de mundo do freguês, a verdade é que para se amar é preciso ser, antes de qualquer outra coisa, maduro — e aí sempre cabe chamar Nelson Rodrigues (1912-1980) e aconselhar que os jovens envelheçam depressa e, assim, amem, amem à mancheia. Amar só depois dos trinta, com firma reconhecida em cartório, eis a solução para boa medida da amargura do viver.
Lara Jean Song Covey, a mocinha de “Para Todos os Garotos que Já Amei”, segue o conselho que o Anjo Pornográfico dá de graça e vive a mais humana das emoções antes consigo, para só então, um dia, quem sabe, partilhá-la com merecer. O problema é que, como sói acontecer, em especial nos assuntos do coração, seus planos são sabotados com a melhor das intenções, e ela tem de se haver com seus pretendentes imaginários. Baseado no romance homônimo de Jenny Han, de 2014, o roteiro, escrito pela própria autora e Sofia Alvarez, realça essa sensação de caos após um primeiro ato morno, dando à história possibilidades dramáticas mais estimulantes.
As tais cartas ficam guardadas numa caixa que Lara Jean ganhara da falecida mãe, e volta e meia a garota remexe seu baú de ossos, lendo-as como se num ritual muito íntimo, aproveitando para ler algumas páginas de “O Beijo Proibido”, seu livro predileto. A diretora Susan Johnson aproveita ganchos como esse para brincadeiras metalinguísticas que também tocam ao audiovisual, mostrando Lara e Kitty, a irmã caçula vivida por Anna Cathcart, diante da televisão numa noite de sábado para assistir à reprise de “Supergatas”, a série sobre quatro senhoras driblando as limitações da idade exibida pela NBC entre 1985 e 1992. Essas duas velhinhas continuam grandes amigas mesmo depois do entrevero que revela o segredo de polichinelo do filme. Enquanto isso não acontece, Lara tenta administrar a paixão renitente por Josh Sanderson, o namorado que Margot, a irmã mais velha, de Janel Parrish, deixa em Portland, onde a família mora, para fazer faculdade na Escócia. Como se não bastasse, Peter Kavinsky, o namorado de sua ex-melhor amiga, também parece interessado em disputar suas atenções.
No momento em que aparecem todos os rapazes com quem Lara Jean já quis ter alguma coisa, seja um beijo fugaz no banheiro depois da hora da saída, seja um casamento suntuoso, com direito a casa com cerca branca, filhos e cachorro brincando no quintal, ela quase literalmente cai das nuvens. Lana Condor, Israel Broussard e Noah Centineo urdem um envolvente triângulo, cada qual desenvolvendo seu papel na trama de maneira convicta, e abrindo espaço para uma e outra intervenção de Emilija Baranac na pele de Gen, uma menina malvada bem nos moldes da antológica romcom de Mark Waters. Precisa mais?
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