Decorridas mais de três décadas desde sua estreia, “O Último dos Moicanos” mantém uma relevância impressionante, ao mesmo tempo que provoca reflexões, controvérsias e até desconforto. Sob a direção de Michael Mann, a história recua mais de meio século no tempo, reaproveitando elementos da adaptação de George B. Seitz, de 1936, e trazendo à tona uma experiência antropológica que tenta se aproximar da realidade dos primórdios da colonização europeia na América do Norte. Esse retrato histórico, abordado com método e frieza em “Hábito Negro” (1991), de Bruce Beresford, no contexto canadense, ganha uma dimensão mais visceral na visão de Mann.
A narrativa de Mann ilustra um momento crucial na formação dos Estados Unidos, um país que resistiu a consolidar sua identidade como potência global até meados do século 19. Após a Guerra Civil (1861-1865), que unificou norte e sul em torno de uma delicada reconciliação, os conflitos étnicos decorrentes da escravidão foram abafados. O norte, avesso ao legado moral da subjugação humana, confrontou o sul, cuja economia dependia profundamente do trabalho escravo. Esse confronto interno também refletia um cenário mais amplo de violência contra os povos indígenas. Antes da chegada dos colonizadores, estima-se que 18 milhões de nativos habitavam a América do Norte. Após séculos de extermínio e segregação, restou uma fração desse número, em grande parte devido a políticas que evitavam a miscigenação.
No centro da trama está o ano de 1757, durante o terceiro ano de uma feroz disputa entre França e Inglaterra pelo controle das colônias americanas. No limiar da extinção, três homens, últimos sobreviventes de um povo orgulhoso, habitam as margens do rio Hudson. Recusando alianças com qualquer potência estrangeira, eles concentram esforços na luta contra a opressão colonial, desafiando bravamente os invasores e atraindo para si a ira implacável do homem branco.
O filme abre com uma deslumbrante sequência panorâmica, revelando colinas verdes que dominavam o nordeste dos Estados Unidos no século 18. A câmera segue o protagonista correndo pela floresta, em uma perseguição frenética que encapsula a tensão da época. O roteiro, assinado por Mann, Christopher Crowe e Philip Dunne, utiliza muitos elementos da obra de James Fenimore Cooper, publicada em 1826, na qual tanto a versão de Seitz quanto a de Mann são baseadas. Aos poucos, Hawkeye, interpretado por Daniel Day-Lewis, emerge como o centro emocional do filme, impulsionado por seu relacionamento com Cora Munro, filha de um oficial britânico, vivida por Madeleine Stowe. A interpretação de Stowe combina uma sensualidade discreta com uma inocência palpável, tornando sua personagem um contraponto fascinante à intensidade de Hawkeye.
Mann exerce uma liberdade criativa notável, reinterpretando a narrativa de Cooper para torná-la mais instigante e cinematograficamente impactante. Embora o romance entre Hawkeye e Cora seja exagerado em relação ao texto original, a química extraordinária entre Day-Lewis e Stowe justifica as escolhas narrativas. O casal entrega performances tão autênticas que qualquer excesso é perdoado. A melancolia que permeia a trama, combinada com a incerteza do destino de seus protagonistas, confere ao filme uma qualidade atemporal e profundamente tocante. Essa adaptação, ao mesmo tempo que presta tributo à versão de Seitz, destaca-se como uma reimaginação rica e visualmente deslumbrante, capturando a essência de um momento histórico marcado por perda, resistência e complexidade humana.
★★★★★★★★★★