O amor como você nunca viu: uma das maiores histórias de amor já contadas no cinema está no Prime Video Divulgação / United Artists

O amor como você nunca viu: uma das maiores histórias de amor já contadas no cinema está no Prime Video

“A Mulher do Tenente Francês” era infilmável, até Harold Pinter (1930-2008) empolgar-se com a história. O conto de amor vitoriano entre um biólogo de origem aristocrata que se apaixona por uma mulher condenada pouco antes de se casar sempre ficara muito bem nas páginas do romance homônimo de John Fowles (1926-2005), mas John Frankenheimer (1930-2002) pensou conseguir vencer o desafio de verter para o cinema aquele enredo dinâmico, de estrutura complexa, no qual os tempos da narrativa misturam-se a despeito da vontade do leitor e exigem-lhe atenção redobrada para que não se perca e saiba discernir onde começa e termina cada ponto. 

Frankenheimer desistiu, mas ao saber do interesse de Pinter, o checo Karel Reisz (1926-2002) viu aquela era a hora de dar forma ao labirinto de emoções de Sarah Woodruff e Charles Henry Smithson, dividindo a cena com seus intérpretes, Anna e Mike, dois atores que passam por situação muito semelhante na vida como ela é. O roteiro de Pinter, um dos grandes nomes do teatro britânico contemporâneo, desata cada nó cênico da intrincada pena de Fowles, usando, claro, outros expedientes para desenvolver o enredo, sem mudar a essência nem deixar nada de fora.

Reisz não se alonga, mas resta evidente que Sarah, uma jovem senhora ainda bonita, arrasta correntes pelo tal tenente francês, que a abandonara, e sua vida agora é vagar por Lyme Regis, a Pérola de Dorset, uma vila costeira nas imediações do Canal da Mancha. O diretor abre o longa com a bela sequência em que Charles caminha com a noiva, Ernestina Freeman, pela praia até avistar Sarah, toda de preto, a caminhar por cima de uma muralha que avança pelo Atlântico. Ele deixa Ernestina, interpretada por Lynsey Baxter, em lugar seguro, e vai ao encontro daquele espectro, sem saber que jamais veria o mundo com os mesmos olhos. A cena corta para Mike, o ator que encarna Charles no filme, e Anna, a atriz que vive Sarah, na cama, e pouco depois um produtor liga para o quarto de Anna chamando-a para a maquiagem. Mike atende o telefone, e com uma solução tão aparentemente simples Reisz elimina muito das pretensas arestas do texto de Fowles. 

A sombra da metalinguagem nunca de pairar sobre Sarah, Charles, Anna e Mike, e Meryl Streep e Jeremy Irons entram na brincadeira, arrastando consigo o espectador. Se a mulher do tenente francês é uma vítima de seu tempo, uma figura vulnerável e tanto mais abalada pela misoginia de um lugar provinciano que as outras, Charles também acha seu calvário nesse relacionamento; cínicos, Anna e Mike se dão melhor, embora estejam conscientes de que para eles também não há saída. Streep torce o papel como bem quer, justamente para sublinhar a passividade tóxica de suas anti-heroínas. Irons, um ator elegante, discreto, estranhamente preso em filmes esquecíveis desde os anos 1990, quando estrelou “O Reverso da Fortuna” (1990), dirigido por Barbet Schroeder; “Perdas e Danos” (1992), levado à tela por Louis Malle (1932-1995); e “A Casa dos Espíritos” (1993), de Bille August (este junto com Streep), é a própria tradução da masculinidade ferida, que se livra do abismo só por ter o gênero certo. “A Mulher do Tenente Francês” é mais sobre ele.

Filme: A Mulher do Tenente Francês
Diretor: Karel Reisz
Ano: 1981
Gênero: Drama/Romance
Avaliaçao: 10/10 1 1
★★★★★★★★★★