Uma civilização ancestral parece influenciar o que se passa na Terra por meio de um monolito localizado em Júpiter, sobre o qual não se sabe muita coisa. A fim de averiguar o que realmente está acontecendo, uma equipe de astronautas chefiados pelo experiente David Bowman é mandada ao planeta na Discovery, uma espaçonave integralmente controlada por HAL 9000, um sistema de computador. Durante a viagem, um mecanismo em HAL entende que ele deve assumir também o comando da missão e eliminar todos os tripulantes. Sim, esta é uma síntese brevíssima de “2001 — Uma Odisseia no Espaço” (1968), a idiossincrásica maravilha de Stanley Kubrick (1928-1999) sobre o que seria da pobre humanidade caso um dispositivo pensado para ajudar o homem na conquista do recôndito do universo decidisse rebelar-se, mas “Terra à Deriva”, como muitas outras produções congêneres, é um “2001” sem o glacê do pioneirismo e da bravura artística de Kubrick. Talentoso e esperto, o chinês Frant Gwo recicla muito do que se vê na obra-prima de há seis décadas e obtém um todo mais ou menos coeso, ainda que mais tecnológico que bonito.
Baseado no romance homônimo de Liu Cixin, de 2000, no filme de Gwo o inimigo é não um robô à primeira vista simpático, mas diabólico, mas uma supernova que acaba por matar o sol. Sobrevém um tempo de gelo e por conseguinte de morte, que obriga quem conseguiu resistir a buscar um jeito de continuar vivo. Esse misterioso paradoxo, pleno das reviravoltas todas que garantem o sobe-e-desce que atira-nos à luta pela sobrevivência, leva ao momento em que é imprescindível assumir uma postura mais agressiva diante dos outros, um dos tantos personagens que incorporamos em nosso teatro existencial, sobretudo diante dos outros que não conhecemos.
Ajudado pelas várias dificuldades que agigantam-se ainda mais no palco tétrico que a vida dispõe para um, onde se chega para matar ou para morrer, aflora em nós o monstro que se assenhora da ribalta e se exibe a nossa revelia, malgrado só queira nos proteger da hediondez do mundo e da nossa própria vileza, nascida da mágoa, do remorso sufocado pelo orgulho, da cruel negligência e abandono.O roteiro de Liu, Gong Geer e Dongxu Yan cita dois grupos, liderados pelo chinês Peiqiang Liu e pelo russo Makarov, respectivamente. Passam-se dezessete anos, e a descendência de cada um é responsável por tentar reconstruir o planeta — em meio às guerras por comida e água. Novidade nenhuma, mas um bom passatempo.
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