“Martin Eden”, lançado em 2019, é uma adaptação livre do romance homônimo de Jack London, sob a direção do italiano Pietro Marcello. Este é o segundo longa-metragem do cineasta, que anteriormente foi aclamado por “Belo e Perdido” (2015). Aclamado e contestado em igual medida, o filme se destaca por sua estética peculiar e abordagem narrativa singular, evocando o espírito do cinema italiano clássico.
Visualmente, “Martin Eden” impressiona ao optar pelo formato 16 mm, com suas cores pastéis e granulação marcante, criando uma atmosfera nostálgica. O filme é ainda enriquecido por cenas documentais inseridas ao longo da trama, que reforçam sua conexão com a realidade histórica e social. Essa escolha estilística remete diretamente a mestres do neorrealismo italiano, conferindo à obra uma autenticidade visual que contrasta com os padrões mais limpos e polidos do cinema contemporâneo.
No entanto, “Martin Eden” não é uma experiência cinematográfica fácil ou convencional. Sua narrativa lenta e densa exige um nível elevado de atenção do público durante suas duas horas de duração. É uma obra para quem busca explorar territórios além do circuito hollywoodiano, oferecendo uma jornada desafiadora que pode ser considerada tanto um exercício de paciência quanto uma recompensa intelectual. Se trata de um filme que se alinha ao conceito de “cult”, demandando uma apreciação cuidadosa e reflexiva.
A trama acompanha a trajetória de Martin Eden, vivido por Luca Marinelli, cuja atuação lhe rendeu o prêmio de Melhor Ator no Festival de Veneza. Curiosamente, Marinelli foi o único ator a conquistar uma premiação de destaque naquele ano, superando inclusive Joaquin Phoenix, consagrado por “Coringa”. Marinelli dá vida a um jovem marinheiro pobre que, ao conhecer a aristocrática Elena, se apaixona perdidamente. Este encontro desperta em Martin um profundo interesse pela literatura, levando-o a sonhar com a carreira de escritor.
No entanto, o caminho de Martin é repleto de obstáculos. Sua baixa escolaridade e origem humilde o colocam em desvantagem, e ele enfrenta constantes desprezos tanto da família quanto do círculo social de Elena, pertencente à elite. A paixão que nutre por ela é o motor de suas ambições, mas também o fardo que o mantém preso em um ciclo de humilhações e rejeições. O drama central reside no conflito entre o desejo de ascender socialmente e a busca pela realização literária.
Além das questões pessoais, o filme explora o envolvimento de Martin com o debate político da época. Ele se vê dividido entre o individualismo, que valoriza a sobrevivência dos mais fortes, e a luta de classes, que emerge como uma crítica ao sistema opressor que enriquece poucos à custa de muitos. Embora o tema da desigualdade social permeie o enredo, ele nunca se sobrepõe completamente à narrativa principal. Marcello não busca resolver essas tensões, deixando que as ambiguidades e contradições do personagem permaneçam intactas. Assim, o espectador acompanha um protagonista cujas convicções oscilam, sem que o filme forneça respostas definitivas.
No centro do conflito está a escolha entre o amor e a carreira literária. A busca de Martin por reconhecimento e validação como escritor se entrelaça com seu desejo de ser aceito pela sociedade aristocrática e, consequentemente, conquistar Elena. A tensão entre essas aspirações gera um dilema emocional que alimenta o drama da história.
“Martin Eden” não se preocupa em oferecer resoluções claras ou conclusões fechadas. O filme é deliberadamente fragmentado, abraçando uma estrutura aberta que desafia as expectativas tradicionais. Ele não busca entregar respostas fáceis, mas sim provocar reflexões sobre temas complexos como identidade, ambição e desigualdade.
Pietro Marcello não apenas homenageia o legado do cinema italiano, mas também contribui para seu contínuo desenvolvimento, oferecendo uma obra que, embora desafiadora, enriquece o cenário cinematográfico contemporâneo.
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