Aviso: este filme da Netflix não é para os fracos. Será que você aguenta? Divulgação / Netflix

Aviso: este filme da Netflix não é para os fracos. Será que você aguenta?

Um casal se encontra no centro de uma trama que expõe as fragilidades e tensões de seu casamento. A narrativa se desenrola na cama onde compartilham momentos tanto de intimidade quanto de animosidade. Em meio a provocações e trocas de palavras ácidas, a mulher faz uma revelação inesperada: está grávida do filho de seu cunhado, falecido recentemente. No entanto, essa situação não se passa entre os protagonistas do suspense “The Trip” (2021). No início, a obra faz uso de um recurso metalinguístico que apenas insinua as complexidades que virão à tona ao longo de seus 110 minutos de duração.

O personagem Lars, interpretado por Aksel Hennie, é um cineasta especializado em melodramas de pouca expressão. Sua rotina, que envolve dirigir cenas emocionalmente intensas, se mescla com uma vida pessoal tumultuada. Após um dia de filmagens, ele volta para casa, onde encontra Lisa, sua esposa, uma atriz cujas ambições artísticas não se realizaram, interpretada com intensidade por Noomi Rapace. Os nomes dos personagens, escolhidos propositalmente para formar uma aliteração divertida, destacam a ironia do roteiro.

Em meio a essa dinâmica peculiar, o casal decide partir em uma viagem ao chalé herdado de Mikkel, pai de Lars, papel assumido por Nils Ole Oftebro. O objetivo declarado é tentar salvar um casamento em crise profunda. No entanto, Tommy Wirkola, diretor do filme, rapidamente deixa claro que o plano do casal é bem mais sinistro e busca uma solução oposta ao que se poderia esperar de uma tentativa de reconciliação. Eles chegaram à conclusão de que a única saída possível para a relação desgastada é a morte do outro, uma ideia que ultrapassa o limite da incompreensão e flerta com a insanidade mais destrutiva.

De forma surpreendente, ambos compartilham a mesma ideia: atrair o parceiro para um lugar isolado com a intenção de assassiná-lo, em busca de receber o valor do seguro de vida. Essa premissa já foi explorada anteriormente em filmes como “La Misma Sangre” (2019), dirigido pelo argentino Miguel Cohan, mas aqui ganha uma abordagem que combina humor e tragédia. Talvez houvesse entre Lars e Lisa uma afinidade que transcendia o comum, refletida no fato de que, mesmo em seus piores momentos, seus pensamentos pareciam alinhar-se de maneira fatal.

Essa coincidência, embora inusitada, é justamente o ponto de partida para as reviravoltas do enredo. Quando as intenções homicidas começam a se materializar — Lars, por exemplo, conta com o auxílio de Viktor, um antigo empregado desastrado interpretado por Stig Frode Henriksen —, Wirkola transforma a narrativa em um espetáculo visual que remete aos thrillers clássicos, utilizando enquadramentos que capturam a claustrofobia e a tensão dos espaços limitados.

A direção de Wirkola faz bom uso de câmeras ágeis e posições estratégicas, ainda que pequenas imperfeições, como gotas de sangue na lente, se tornem marcas que, em vez de estragar a experiência, conferem autenticidade estética. À medida que Lisa e Lars descobrem as intenções homicidas um do outro, a história evolui para um eletrizante jogo de perseguição. A trama brinca com o gênero ao mesmo tempo em que explora a comédia involuntária em situações que beiram o absurdo, semelhante ao que foi feito em clássicos como “Atração Fatal” (1987), de Adrian Lyne. A narrativa se molda para que os protagonistas revelem, em meio à caçada, segredos e ressentimentos guardados, culminando em um segundo ato mais sombrio e imprevisível, onde novos personagens entram em cena e complicam ainda mais a situação.

É nessa etapa que Dave, Petter e Roy, presidiários em fuga que se refugiaram no chalé dias antes, fazem sua entrada triunfal. A presença deles traz um dinamismo inusitado e empurra a narrativa em uma direção inesperada. Petter (vivido por Atle Antonsen) assume o comando como líder, e a integração do trio ao enredo é orquestrada de forma cuidadosa, mantendo a tensão e preparando o terreno para a conclusão impactante do filme. O confronto entre Lars e os invasores atinge seu ápice em um momento particularmente angustiante, quando Dave (Christian Rubeck) e Roy (André Eriksen) ameaçam violentar o protagonista. Essa ameaça inesperada gera uma reviravolta emocional que desperta em Lisa uma resposta de empatia e humanidade, algo que se torna decisivo para a sobrevivência de Lars.

A atuação de Aksel Hennie é um dos pontos altos do filme. Ele transita com maestria entre a arrogância de um homem egocêntrico e a vulnerabilidade de alguém que precisa lutar por sua vida. Essa transformação é intensificada quando ele, enfim, elabora um plano engenhoso para enfrentar os criminosos. O sucesso do plano, porém, só se concretiza graças à intervenção oportuna de Mikkel, que reaparece após ser chamado por Hans (Tor Erik Gunstrom), um morador das proximidades. Esse retorno introduz uma nova camada de conflito e leva a um confronto final em que cada personagem mostra até onde está disposto a ir. Petter e sua gangue são derrotados, mas não sem que Lars, Lisa e Mikkel enfrentem grandes provações, emergindo ao final não ilesos, mas cientes de que o caos foi uma terapia inesperada para as mágoas acumuladas no relacionamento.

O longa “The Trip” se destaca por seu detalhamento e pela maneira como combina elementos de comédia e horror para retratar as complexidades dos relacionamentos. Em um aceno ao estilo de Quentin Tarantino em “Kill Bill” (2003), Wirkola cria uma obra que, apesar das influências, sustenta uma identidade própria. Ao explorar as dores e as belezas do convívio humano, a narrativa ora suaviza, ora endurece, sempre mantendo um ponto de vista que desafia o espectador a refletir. O filme lembra que o amor, mesmo nas suas formas mais distorcidas, pode ser brutal e belo em igual medida.

Filme: The Trip
Diretor: Tommy Wirkola
Ano: 2021
Gênero: Ação/Suspense
Avaliaçao: 9/10 1 1
★★★★★★★★★