Não há nada que alegre mais o coração de pedra de um crítico que encantar-se por um filme que julgara tolo às primeiras cenas. É exatamente este o caso de “Meu Eu do Futuro”, uma comédia sobre decisões que tomamos hoje e, como diz o Conselheiro Acácio em “Primo Basílio” (1878), o romance do português Eça de Queirós (1845-1900), implicam consequências no amanhã. Depois de algumas sequências em que garotas exaltam o lesbianismo, beijam-se, abraçam-se e assim por diante, a diretora Megan Park passa ao que importa, as justíssimas incertezas de uma garota que acaba de completar dezoito anos na fazenda onde a família planta cranberries na Colúmbia Britânica, extremo oeste do Canadá, prestes a se mudar para Toronto para ingressar na faculdade.
A diretora-roteirista escapa do previsível ao ir desbastando as muitas camadas de Elliott Labrant, a protagonista interpretada por Maisy Stella, e chegar às tantas questões filosóficas que “Meu Eu do Futuro” encerra, todas concorrendo para o velho e sempre atual dilema de transformar ou não o agora com vistas a um porvir menos atribulado. Com cerca de quarenta anos, pode-se dizer com toda a certeza que isso é uma ingenuidade, e é aí que o longa mostra-se surpreendente.
Elliott aproveita o fim da adolescência e o início da vida adulta como é possível, em convescotes em Maude Island com as amigas Ro e Ruthie durante os quais conversam sobre o que querem e, o principal, o que não querem. Ao que parece, as três são homossexuais convictas, e desejam continuar assim, especialmente depois que Elliott também chega à maioridade e podem beber sem terem de inventar nenhum plano mirabolante para burlar a lei. Num desses encontros, elas tomam o chá de cogumelos produzido por Ro, e têm cada qual sua viagem, ou melhor, quase. Justamente a caçula não delira nem sai da dureza da vida como ela é, mas recebe uma visita que a crua realidade jamais permitiria: alguém que a conhece muito bem cai do azul, disposta a lhe dar uns conselhos, para que não cometa os mesmos equívocos e sofra menos.
Apesar do cabelo mais escuro e dos dentes meio separados, essa figura um tanto sobrenatural é sua versão aos 39 anos — essa faz questão de frisar esse número —, e a partir de então Park move a trama em torno do que as duas têm de semelhante e diverso, reservando um bom pedaço para Chad, o garoto que a Elliott do futuro orienta que a Elliott mais nova rejeite. Stella, Aubrey Plaza e Percy Hynes White oferecem ao público o máximo de sensibilidade, mormente num lance no princípio do terceiro ato, em diálogos tão divertidos quanto comoventes que apontam para o que apenas se vislumbrava na introdução. Da vida ninguém escapa.
★★★★★★★★★★