A sobrevivência solitária pode se revelar um desafio árduo, principalmente para uma jovem, mas quando ela possui um talento que a maioria dos homens leva anos para dominar, a trajetória, embora intensa, torna-se mais intrigante e repleta de um toque de humor — ao menos sob o ponto de vista de quem se acostumou a resolver situações complexas de maneira direta e sem rodeios, ou da forma que os outros esperam dela. No quarto longa-metragem de Lee Chung-Hyun, renomado cineasta sul-coreano, fica evidente mais uma vez sua habilidade singular em criar desconforto.
Após o sucesso retumbante de “A Ligação” em 2020, “A Bailarina” retorna com uma narrativa que faz o público se remexer em suas cadeiras, apresentando cenas em que uma protagonista movida pela sede de vingança expressa emoções cruas para não cair nas armadilhas de homens tão poderosos quanto cruéis. O risco que ela corre de ter um destino semelhante ao de sua amiga querida é palpável, e sua dedicação à causa é tão intensa que a impede de recuar. Inspirando-se em contos tradicionais coreanos, como os de Jo Susam (1762-1847), a saga de Ok-ju, interpretada de forma magistral por Jeon Jong-seo, é permeada por uma luta incessante contra um destino aparentemente inescapável, ao qual ela resiste ferozmente até cumprir sua missão. Ao final dessa jornada, talvez um novo horizonte se abra.
A narrativa ganha fôlego em uma cena que ocorre em uma loja de conveniência. O funcionário entretido com seu celular não percebe a aproximação de dois assaltantes armados com facas, que saqueiam prateleiras e semeiam desordem até que o próprio balconista se torna vítima, ferido e sangrando. Ok-ju entra em cena nesse instante, interessada apenas em pagar por seu cereal, mas plenamente ciente da confusão. Ela chega a pegar o troco da mão de um dos criminosos. É a deixa perfeita para Lee coreografar uma sequência de ação eletrizante, onde Ok-ju enfrenta os ladrões em movimentos rápidos e precisos, revelando um lado totalmente distinto da atuação de Jeon em “A Ligação”, onde sua performance era marcada pela tensão contida e pelo suspense construído lentamente.
A harmonia é simbolizada por uma apresentação de dança clássica executada por um grupo de garotas vestidas de branco, entre as quais se destaca Choi Min-hee, a bailarina que dá nome ao filme. O relacionamento entre Ok-ju e Min-hee é desenvolvido de forma sutil e ambígua, sugerindo uma ligação que pode ter sido romântica, mas que nunca é confirmada explicitamente. A força bruta da personagem de Jeon contrasta com a delicadeza de Min-hee, vivida por Park Yu-rim, cuja fragilidade a torna vulnerável ao ponto de não suportar a dureza do mundo ao seu redor. O mistério central da trama é a investigação conduzida por Ok-ju para descobrir quem levou Min-hee a tirar a própria vida. Quando a busca a leva até Choi Pro, um traficante de mulheres interpretado por Kim Ji-hoon, o filme revela seu lado mais brutal, com cenas de confronto visceral entre a vingadora e seu adversário, criando momentos visualmente marcantes e poderosos.
“A Bailarina” é, assim, um espetáculo de confronto e redenção, destacando-se como um verdadeiro exemplo da capacidade de Lee Chung-Hyun de transformar a violência em arte, fazendo com que cada golpe seja parte de uma narrativa hipnotizante e complexa, que mantém a atenção até o último frame.
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