Um homem acomoda-se com esforço em uma poltrona espaçosa, prestes a encarar uma experiência cinematográfica que promete ser, para ele, desconfortável de diversas formas. “A Baleia” oferece uma metalinguagem tão impactante que se compara ao efeito de um eletrochoque em pacientes psiquiátricos do início do século XX. Pesando metade dos quase trezentos quilos do protagonista e após ter enfrentado períodos de privação no Rio de Janeiro, senti o impacto da mensagem e percebi que era hora de agir. Darren Aronofsky, com seu estilo perturbador e refinado, continua a esmiuçar as profundezas da alma humana, levando tanto atores quanto espectadores a um estado de introspecção sombria.
“A Baleia” provoca aversão, é um retrato impiedoso da vida em sua essência nua e crua, com toda a carga de intensidade e desconforto que ela pode carregar, alcançando públicos de todos os tipos, dos mais esbeltos aos obesos. Aronofsky talvez seja o cineasta mais minucioso ao explorar as vulnerabilidades e falhas humanas, como evidenciado em obras como “Réquiem para um Sonho” (2000), “O Lutador” (2008), “Cisne Negro” (2010) e “Mãe!” (2017). Com “A Baleia”, ele oferece um espetáculo chocante e, paradoxalmente, bem-intencionado.
Charlie, um professor de literatura residente em Idaho, vive em meio aos seus 272 quilos com um conformismo inquietante. Ele se esconde atrás da câmera enquanto ministra aulas virtuais, sua voz surgindo em um bloco de pixels. Quando suas aulas chegam ao fim, ele se entrega a compulsões alimentares desmedidas, devorando baldes de frango e sanduíches gigantescos, arriscando a própria vida em crises de sufocamento, enquanto pesquisa os riscos de saúde de sua condição.
O roteiro adaptado por Aronofsky, fiel à peça original de Samuel D. Hunter, cria um ambiente que aprisiona o espectador, reforçado pela fotografia de Matthew Libatique, que transforma o apartamento de Charlie em um espaço sombrio e opressor, evocando a sensação de uma caverna ou tumba. Esse ambiente angustiante serve como cenário para momentos que revelam a complexidade do personagem, incluindo sua sexualidade, que surge em um episódio de prazer solitário que quase lhe custa um ataque cardíaco. É nesse ponto que a narrativa flerta com o grotesco, mas logo se reequilibra com a entrada de duas figuras cruciais para a história.
Liz, uma enfermeira com um vínculo antigo com Charlie, cumpre o papel de confidente e socorrista em momentos críticos, intervindo em suas crises mais severas. A relação entre eles revela uma profundidade que sugere um afeto genuíno, porém não realizado, uma vez que os interesses de Charlie o conduzem por outras direções. Hong Chau, ao lado de Brendan Fraser, cria um contraponto que enriquece a dinâmica do filme.
Quando Charlie busca conforto nas palavras de um ensaio sobre “Moby Dick” (1851), de Herman Melville, o filme ganha uma camada ainda mais profunda de significado, movendo o público a um envolvimento emocional irresistível. É quase impossível não se emocionar com sua luta para se mover pelo apartamento, apoiado em um andador e à espera de Ellie, sua filha, interpretada com precisão por Sadie Sink.
A escolha de Fraser para o papel principal enfrentou resistência, impulsionada por críticas que questionavam a autenticidade do retrato. O ator utilizou próteses e enchimentos que, em conjunto com o talento de Judy Chin, Adrien Morot e Annemarie Bradley, renderam o Oscar de Melhor Maquiagem e Penteados, comprovando o sucesso da caracterização. A estatueta de Melhor Ator para Fraser é um reconhecimento não só de sua atuação, mas do conjunto harmonioso orquestrado por Aronofsky e do brilhantismo das atrizes que contracenam com ele. Pessoalmente, ao deixar a sala de cinema, senti-me transformado, como se tivesse recuperado algo perdido.
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