Publicado em 1817, “Persuasão” marca a conclusão de uma trilogia que Jane Austen iniciou com “Razão e Sensibilidade” (1811). Nesse ciclo, a autora britânica (1775-1817) explora a complexa relação entre o amor e as pressões mais fundamentais da existência humana. O segundo livro, “Orgulho e Preconceito” (1813), segue a mesma linha, retratando os desafios de uma família outrora prestigiada, mas agora em dificuldades financeiras. A única chance de reverter a situação se concentra no casamento arranjado da filha mais velha com um homem abastado, cuja hesitação é marcada pela forte influência da mãe da jovem.
Entre a ironia afiada de “Orgulho e Preconceito” e a gravidade de “Persuasão”, encontramos a vivacidade de “Emma”. Publicado em 1815, este romance capta o cotidiano da elite inglesa do início do século 19, enquanto Austen, já debilitada pela doença de Addison, que a levaria precocemente em 18 de julho de 1817, aos 42 anos, faz um retrato mordaz da sociedade. Douglas McGrath (1958-2022), em sua adaptação, destaca o caráter cômico e quase burlesco da narrativa, onde as aparências são enganosas e a protagonista se envolve em tramas que escapam ao seu controle.
O filme “Emma” destaca-se como um palco dominado pela interpretação magnética de Gwyneth Paltrow. No papel-título, ela encarna uma jovem convencida de seu papel central na pequena Highbury, nos arredores de Londres, onde tenta manipular os destinos alheios, especialmente os amorosos. Esta atuação antecipa a performance de Paltrow em “Shakespeare Apaixonado” (1998), comédia romântica que lhe rendeu o Oscar de Melhor Atriz. No Brasil, essa vitória gerou controvérsia por ter superado “Central do Brasil” (1998), dirigido por Walter Salles e protagonizado por Fernanda Montenegro — um tema que aprofundarei em um artigo futuro.
Emma Woodhouse, acomodada em sua vida de solteira, dedica-se a encontrar um par para Harriet Smith, amiga respeitável, mas de origem incerta e que, pelas rígidas normas sociais da época, já é considerada velha demais para o matrimônio. A direção de McGrath constrói uma atmosfera em que as ações de Emma, disfarçadas de boas intenções, provocam desordem. Dois personagens masculinos entram em cena para agitar a trama, mas a narrativa mantém Emma no centro, ainda que ela compartilhe os holofotes com a Harriet de Toni Collette.
Nesse cenário de hipocrisias e convenções sociais, as personagens têm o valor que conseguem projetar. No final, Emma recebe as consequências de suas ações, mas mantém-se por cima. O legado de Jane Austen permanece inquestionável em sua habilidade de retratar a essência humana com inteligência e humor perspicaz.
★★★★★★★★★★