O ano de 1968 foi decisivo para Elvis Aaron Presley (1935-1977). Mais precisamente, 3 de dezembro de 1968, quando, depois de sete anos, Elvis, a estrela mais brilhante do mundo do entretenimento, voltava para onde nunca devia ter saído. O especial que reacendeu o interesse do público por aquele homem bonito, afinado, cheio de personalidade — até então submisso aos desmandos que quase arruinaram sua carreira — e sexy como o diabo, ainda que mais contido, foi o programa de maior audiência da NBC naquele ano, com 42% de todos os televisores dos Estados Unidos sintonizados.
Esse recorte agridoce da vida e da trajetória artística de Elvis emerge em toda a sua potência em “O Retorno do Rei: Queda e Ascensão de Elvis Presley”, uma espécie de tributo a um dos astros mais completos que a indústria cultural já conseguira produzir, o que, claro, rendeu-lhe uma montanha de dinheiro e um turbilhão de dissabores. O documentarista Jason Hehir reúne às entrevistas de Priscilla Presley, Bruce Springsteen, Barbara Eden, Darlene Love, Baz Luhrmann, Billy Corgan, Conan O’Brien e Robbie Robertson (1943-2023) arquivos pessoais de Elvis e seu famoso empresário, Andreas Cornelius van Kuijk (1909-1997), o Coronel Tom Parker, e, o principal, registros de bastidores, pelos quais não é difícil inferir que a iminente debacle do cantor poderia ter sido uma tragédia muito maior, não fosse a coragem de romper com os parâmetros com que sempre estivera de acordo. A verdadeira desgraça aconteceria mesmo menos de uma década mais tarde, embora o filme não a contemple.
Do primeiro show na TV, em 28 de janeiro de 1956, à convocação para o serviço militar, numa base dos Estados Unidos na Alemanha, o prólogo de “O Retorno do Rei” recupera momentos notáveis de Elvis, um garoto branco que se comportava como os pretos e andava os quase três quilômetros da rua Beale, no centro de Memphis, Tennessee, entoando os versos de “That’s Alright Mama” (1956), até que ser descoberto por Parker, que desde já vira nele uma mina de ouro. Se o Coronel cavara para seu pupilo as chances imperdíveis em encontros com Milton Berle (1908-2002) e Dean Martin (1917-1995), foi também ele quem lançou Elvis num limbo profissional ao fazê-lo assinar contratos para uma cornucópia de filmes esquecíveis, o que garantia a fortuna dos dois e a desmoralização do ídolo maior da juventude.
Quando a fórmula cansou afinal, Elvis foi superado por artistas como Bob Dylan, Os Beatles e Rolling Stones, que ou sabiam unir letras de protesto a melodias sofisticadas, ou falavam de amor e de rebeldia com graça e coreografias frenéticas. Priscilla conta que na visita de Paul McCartney, John Lennon (1940-1980) e companhia a Graceland, ficaram todos embasbacados uns com os outros e foram assistir à televisão.
Lances assim ratificam a nobreza de Elvis, que nunca achou-se mais que ninguém e só queria ter sido um cantor gospel, mas teve de lutar com as armas com que a natureza lhe regalara — a esse propósito, a redescoberta do gênero evangélico, com “How Great Thou Art” (1885), remodelou novamente a voz dele, que era quase esganiçada no princípio. Depois da NBC, as performances de Elvis passaram a ser sempre ao vivo. Foram 361, até sua morte prematura, em 16 de agosto de 1977, aos 42 anos.
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