Acaba de chegar à Netflix: o filme que emocionou Veneza por 11 minutos e conquistou o Oscar de 2023 Divulgação / A24

Acaba de chegar à Netflix: o filme que emocionou Veneza por 11 minutos e conquistou o Oscar de 2023

Um homem acomoda-se com dificuldade em uma poltrona de cinema espaçosa, prestes a assistir a um filme que, ele sabe, o fará sentir-se especialmente desconfortável. “A Baleia” carrega um poder de metalinguagem involuntário que me atingiu como um choque terapêutico daqueles usados nos hospícios do início do século 20. Com um peso que corresponde à metade dos cerca de 300 quilos do protagonista — após anos de privações no Rio de Janeiro, em um cenário quase poético que evoca “Ouro de Tolo” (1973) de Raul Seixas — compreendi a mensagem clara e decidi que era hora de agir. Darren Aronofsky, sempre mestre em arrancar sentimentos profundos e desconcertantes tanto de seu elenco quanto de seu público, leva essa habilidade ao ápice em “A Baleia”.

Um filme que incomoda, repugna, mas é impossível não reconhecer nele um retrato autêntico da vida em sua essência: um espetáculo de ruídos, conflitos, repulsas e angústias, válido para qualquer tipo de pessoa, seja atlética, magra ou obesa. Aronofsky talvez seja o diretor que com mais destreza aborda as vulnerabilidades e as misérias da alma humana de forma consciente, como já demonstrado em títulos como “Réquiem para um Sonho” (2000), “O Lutador” (2008), “Cisne Negro” (2010) e “Mãe!” (2017). Em “A Baleia”, ele ousa em um movimento arriscado, entregando um espetáculo pungente e sombrio.

O protagonista, Charlie, um professor de literatura em Idaho, enfrenta uma rotina com 272 quilos e uma vida confinada a um apartamento. Sua presença nas aulas online se resume a um quadrado preto na tela, um disfarce para manter a interação com os alunos. Mas quando essa conexão termina, ele busca conforto em quantidades exorbitantes de comida rápida, devorando impulsivamente porções que alimentariam várias pessoas, e quase sufocando enquanto pesquisa sobre as comorbidades associadas à sua condição. A adaptação feita por Aronofsky do texto de Samuel D. Hunter, que criou a peça original de 2014, intensifica a imersão do espectador nesse mundo confinado.

A fotografia de Matthew Libatique contribui para a atmosfera opressiva do apartamento de Charlie, reforçando a sensação de aprisionamento que chega até quem assiste. Essa mesma atmosfera é usada pelo diretor para abordar aspectos mais íntimos da vida de Charlie, incluindo sua orientação sexual e um momento solitário que quase lhe custa a vida. Contudo, quando a narrativa parece prestes a cair em um tom puramente grotesco, surgem outras personagens que trazem camadas mais complexas à história.

Entre essas figuras está Liz, uma enfermeira que o acompanha há tempos, servindo de confidente e, muitas vezes, salvadora em situações críticas, aparecendo no momento exato para evitar uma tragédia iminente. Aos poucos, a audiência percebe que existe uma afeição genuína entre os dois, embora algo maior os mantenha distantes. Hong Chau e Brendan Fraser conduzem “A Baleia” a novas profundezas, e o filme ganha uma carga emocional ainda mais intensa quando Charlie recorre ao ensaio de um aluno sobre “Moby Dick” (1851), a icônica obra de Herman Melville, em busca de consolo. Esse momento desperta emoção até nos espectadores mais resistentes, especialmente ao ver Charlie se movendo com esforço, usando um andador em um espaço cuidadosamente disposto, à espera da visita de Ellie, sua filha, interpretada por Sadie Sink em uma atuação de destaque.

A controvérsia sobre a escolha de Brendan Fraser para o papel de Charlie, em um tempo onde questões de representatividade são frequentemente debatidas, foi um desafio superado com maestria. O ator precisou de próteses e enchimentos para representar o personagem com autenticidade, e o Oscar de Melhor Maquiagem e Penteados, concedido a Judy Chin, Adrien Morot e Annemarie Bradley, evidencia esse sucesso. O reconhecimento de Fraser como Melhor Ator, por sua vez, não é apenas um tributo ao seu talento, mas também ao trabalho conjunto com Aronofsky e, sobretudo, ao desempenho memorável das atrizes que compartilharam a tela com ele. Quanto a mim, após assistir ao filme, senti que deixava para trás um pedaço de minha própria trajetória, ecoando lembranças de apelidos da infância, como se tivesse passado por uma metamorfose interna.

Filme: A Baleia
Diretor: Darren Aronofsky
Ano: 2022
Gênero: Drama
Avaliaçao: 10/10 1 1
★★★★★★★★★★