A certa altura da vida, o homem deixa a casa paterna e vai constituir um novo lar, repetindo até sem se dar conta padrões de sua primeira experiência de família. A partir de então, é cada um por si e Deus por todos, o que não significa que não se possa contar vez ou outra com a tal rede de apoio, afinal pai e mãe também têm sua vida fora da rotina doméstica. Muito de “Segredo de Sangue” trafega pela culpa materna, transmudada em superproteção, neurose e uma obducta parafilia, que felizmente nunca vem à tona. O filme de Jonathan Darby oscila entre o que se vê e o que se insinua, e o roteiro, de Darby e Jane Rusconi, sempre dá um jeito de enfatizar o tal segredo por trás de uma mãe devotada e seu filho toleirão. Todos sabemos como essa história termina, mas a graça do filme é permitir-se levar pelos falsos mistérios do enredo, até que não haja mais dúvida e tenhamos a certeza de que estávamos certos desde o início.
Helen, uma executiva do mercado publicitário ou algo parecido, vive sua primeira grande paixão. Há algum tempo, ela vive com Jackson Baring, filho único de um clã tradicional da Virgínia, sudeste dos Estados Unidos, para onde volta em datas comemorativas como o Natal, e desta vez convida a namorada a ir com ele, uma imensa responsabilidade para Helen, já que ele nunca havia levado uma garota lá antes. Martha, a anfitriã, preparou aposentos separados para os dois, porque, afinal, eles ainda são solteiros e ela, muito católica — o que não os impede de passar a noite juntos, o que a mãe de Jackson comprova na manhã seguinte, no momento em que se depara com a moça indo ao seu encontro no batente da porta, nua.
Esse mal-entendido não tem outra serventia no desenrolar da trama se não a de preparar o espírito do público para situações bem mais constrangedoras e bem mais cheias de tensão, envolvendo as duas mulheres. Quando Helen e Jackson voltam para Nova York e ela conta que está esperando um filho dele, Martha resolve vender Kilronan, o rancho que deixara-lhe o finado marido, o que implica o deslocamento de Jackson para a casa da mãe outra vez. Levando consigo a futura esposa grávida, claro.
O filme demora para engatar, e não o faz antes da sequência em que Martha encarrega-se do parto da nora, feito se Helen fosse uma de suas éguas premiadas. Jackson, o personagem de Johnathon Schaech, está, outra vez, ausente, então pode-se definir “Segredo de Sangue” como um filme de e sobre mulheres, e por conseguinte, um filme sobre seus medos, culpas e paixões, em especial após a maternidade.
Jessica Lange e Gwyneth Paltrow alternam-se na condução da narrativa, com bons diálogos de enfrentamento de Martha para Helen, que, como não poderia ser de outra forma, sai por cima. O prazeroso aqui não é ver a vilãzona de Lange dar-se mal, mas conseguir notar duas boas atrizes em cena, com destaque para a veterana, que humaniza a sogra megera, quase reduzindo a uma senhora padecendo das carências da meia-idade. Por pouco, não lhe temos pena.
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