O coração é um porto de onde zarpam e aonde chegam milhares de sensações novas todos os dias. Não há nada mais corriqueiro na vida do homem do que a própria banalidade, uma batalha perdida que insistimos em travar com os fantasmas menos óbvios que habitam nossas profundezas mais inacessíveis. Pensamos, uns mais, outros menos — mas todos, sem exceção — sobre se é possível voltarmos ao que fomos, se podemos ter outra vez os desejos que constituíam nossa própria essência. Perdemos horas de sono, que costumam se estender para o expediente de trabalho, elucubrando, tecendo digressões as mais insanas acerca de como teria sido nossa jornada se houvéssemos tomado essa ou aquela decisão a respeito de tal ou qual assunto.
“Te Espero no Fim da Jornada” confirma a tendência do cinema asiático quanto a não fazer concessões ao óbvio, deixando perplexos os espectadores do mundo todo graças à originalidade de histórias narradas com o equilíbrio certo de frieza e o drama mais rasgado, expediente de que eles conseguem se valer muito bem. Sensível e perspicaz, o filme da taiwanesa Angel Ihan Teng ancora-se num amor à primeira vista impossível, mas que encontra condições para desabrochar ao fim de idas e vindas, mais espinhoso porque feito entre dois homens.
Teng e os corroteiristas Wu Momo e Seven Leung valem-se do potencial de fanfic de “Te Espero no Fim da Jornada” e emolduram os protagonistas em cenários paradisíacos, evocando já no prelúdio uma certa Baía das Baleias Desaparecidas, para onde caminha a história. Gu Tin-yu, um bem-sucedido escritor honconguês, está à beira do precipício ao ser acusado de plagiar um colega de Taiwan; as coincidências entre seu romance, “Baía das Baleias”, e “Tinta Azul”, o outro livro, são inegáveis, mas tem uma explicação, que a diretora posterga para o terceiro ato, sugerindo apenas que Tin-yu não é exatamente o culpado, se não por ter depositado numa caixa de correio suas impressões acerca de aspectos muito particulares da existência humana, entre os quais as relações homoafetivas.
A esquizofrenia social que ainda grassa naquele pedaço de mundo é uma das tantas flechas x que Teng lança sobre o público, justamente devido à naturalidade fria com que o assunto é posto. Enquanto isso, Jin Run-fa, o amigo por correspondência que Tin-yu teve cerca há de duas décadas, cai do azul, acendendo a promessa de um amor atribulado, com Terrance Lau Chun-him e Fandy Fan Shao-hsun em desempenhos coesos, afinal seus personagens estão ligados para além da carne, rejeitados pela vida e pela morte.
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