O quão longe o amor de uma mãe pode levá-la pelo bem de seu filho? A resposta a essa pergunta está longe de ser trivial, especialmente em um mundo onde mães abandonam seus filhos à própria sorte, almejando um fim precoce para aliviar seus fardos. Essa quase foi a realidade enfrentada por So Wa-wai.
So Wa-wai, o primeiro atleta de Hong Kong a competir em cinco edições consecutivas dos Jogos Paralímpicos, de 1996 a 2012, conquistou um total impressionante de doze medalhas. O documentário “Retrato de um Campeão”, dirigido pelo sino-britânico Chi Man-wan e produzido por Sandra Kwan Yue Ng — que também interpreta a dedicada mãe do protagonista, vivido por Louis Cheung — mergulha na trajetória de Wa-wai. Utilizando a narrativa da infância marcada por uma deficiência, o filme expõe as dificuldades severas de uma vida onde nem mesmo o corpo oferece a chance de normalidade.
Nascido com icterícia hemolítica, uma condição que leva à produção excessiva de glóbulos vermelhos no feto e que resulta em complicações persistentes ao longo da vida, Wa-wai sofreu ainda mais devido a uma paralisia cerebral, conforme explicado por um médico à sua mãe logo após o parto. Essa condição afetava sua coordenação motora, dificultando ações rotineiras como se vestir ou se alimentar sem auxílio. Mesmo devastada, a mãe, uma trabalhadora de uma tecelagem, assumiu o árduo papel de criar o filho, enfrentando desafios diários. Aos quatro anos, uma situação em que o menino revela uma teimosia inesperada desencadeia um momento de tensão que quase culmina em tragédia, mas que, por um golpe do destino, se torna um divisor de águas, despertando na mãe uma nova percepção sobre a determinação do garoto, que o diferenciava das outras crianças do cortiço onde viviam.
O filme evoca comparações com clássicos como “Rain Man” (1988), de Barry Levinson, e “Forest Gump” (1994), de Robert Zemeckis, onde os protagonistas com deficiências são retratados com uma profundidade que os distingue e lhes confere um status de seres únicos. Em “Rain Man”, a atuação de Dustin Hoffman como Raymond, um homem autista, explora a complexidade de sua condição em meio a uma disputa legal por sua guarda, num contexto onde a preocupação com seu bem-estar é secundária e agravada pelo avanço da idade. Já em “Retrato de um Campeão”, o diretor Chi Man-wan se apoia em eventos históricos para construir uma narrativa onde Wa-wai, diferente do ingênuo e sonhador Forrest Gump, enfrenta dilemas ancorados na realidade, destacando a resiliência do atleta em meio a um contexto adverso.
A jornada de Wa-wai é marcada pela necessidade de tomar decisões difíceis, sem a possibilidade de transferir responsabilidades. Isso inclui optar por retomar a carreira atlética, suspensa em função das limitações financeiras da família, ou manter-se em um emprego precário, mas mais rentável do que a prática esportiva, que ameaça sepultar suas ambições definitivamente. Nem mesmo a mãe, com sua devoção incansável, poderia decidir por ele.
Diferente de abordagens simplistas e emocionais que frequentemente saturam o mercado ao retratar minorias, “Retrato de um Campeão” se afasta dos estereótipos convencionais. A obra propõe uma visão crua e honesta de que, embora a vida nunca seja simples, o apoio certo, nos momentos certos, pode fazer a diferença entre uma vitória memorável e o abandono de um sonho. A corrida pode ter apenas um vencedor, mas a jornada em si, repleta de luta e superação, é onde se revela o verdadeiro triunfo.
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