Indicado a 418 prêmios, incluindo 10 Oscars, obra-prima inestimável de Martin Scorsese está há 300 dias no Top 10 mundial da Apple TV+ Divulgação / Apple Studios

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A palavra “genocídio” combina as raízes do grego “genos” (raça) e do latim “cide” (matar), representando um conceito que, apesar de sua presença frequente em debates modernos, é relativamente recente. Criado em 1944 por Raphael Lemkin, o termo surgiu em “Domínio do Eixo na Europa Ocupada”, obra em que ele analisa os crimes cometidos pelos nazistas contra grupos minoritários. Desde então, “genocídio” se consolidou como o vocábulo usado para descrever atrocidades contra povos inteiros, incluindo a sistemática eliminação das populações indígenas nas Américas, prática brutal abordada por Martin Scorsese em “Assassinos da Lua das Flores”. Embora o termo não existisse na década de 1920, período em que os eventos narrados no filme ocorreram, Scorsese emprega a palavra para enfatizar a magnitude dessas violências.

Inspirado no livro homônimo de David Grann, Scorsese retorna ao cinema após “O Irlandês” (2019) com uma obra que explora a tragédia dos Osage, vítimas de assassinatos em massa no coração dos Estados Unidos. Desde que leu o livro em 2017, Scorsese sentiu a necessidade de transformar aquela narrativa em filme. Para isso, buscou o apoio do chefe Standing Bear, garantindo a colaboração da nação Osage. Robert De Niro, parceiro de longa data do diretor, foi considerado desde o início para um papel central, cuja confirmação veio em 2019. No entanto, a pandemia de Covid-19 interrompeu a produção, que só foi retomada quando as condições sanitárias permitiram.

A trama se desenrola na Oklahoma da década de 1920, com o roteiro de Grann focando na formação do FBI e seu primeiro grande caso: o assassinato de dezenas de membros da tribo Osage em Fairfax. No entanto, Scorsese ajustou o enfoque, priorizando as vítimas e suas histórias. Segundo o diretor, era fundamental que o filme retratasse a perspectiva dos Osage, e não apenas a atuação de um órgão federal.

Realizar esse projeto exigiu extrema sensibilidade. Scorsese, ciente de sua posição como cineasta branco, reconheceu que essa história não lhe pertencia. Ele trabalhou em estreita colaboração com os Osage para construir uma narrativa autêntica e respeitosa, confiando no testemunho e na sabedoria dessa comunidade. O resultado é uma obra que dá protagonismo às vozes indígenas, com contribuições espontâneas e sinceras, inseridas sem interferência.

No centro da história está Bill Hale (De Niro), uma figura aparentemente benevolente, mas cuja ganância não conhece limites. Ele manipula seu sobrinho, Ernest Burkhart (Leonardo DiCaprio), para casar-se com Molly (Lily Gladstone), uma indígena Osage, com o objetivo de usurpar suas terras ricas em petróleo. O plano de Hale se desenrola com brutal eficiência: a morte de membros da família de Molly ocorre uma a uma, tudo sob o pretexto de amizade e proteção.

O filme expõe a complexa dinâmica de exploração enfrentada pelos Osage. Embora tenham se tornado milionários graças ao petróleo, a legislação os declarou “incapazes” de gerenciar suas finanças, colocando suas fortunas sob o controle de tutores brancos. Esse sistema legalizado de roubo culminou em assassinatos brutais, todos com o objetivo de transferir a riqueza dos indígenas para mãos brancas.

Molly, mesmo debilitada por uma doença, não se deixou silenciar. Sua determinação levou a questão diretamente ao presidente Calvin Coolidge, forçando uma intervenção federal. Foi a entrada do FBI no caso que desvendou a teia de corrupção e violência. O mérito do filme não está apenas em narrar os eventos, mas em como Scorsese utiliza sua arte para amplificar as vozes dos Osage.

As performances são um destaque absoluto. De Niro traz camadas ao personagem de Hale, transformando-o em uma figura ao mesmo tempo magnética e desprezível. DiCaprio entrega uma atuação sutilmente perturbadora, enquanto Gladstone exibe uma força tranquila, mas inquebrantável. Cada cena é meticulosamente construída, refletindo a maestria técnica de Scorsese.

“Assassinos da Lua das Flores” transcende o cinema tradicional. É uma declaração poderosa sobre genocídio, colonização e a resistência dos povos indígenas. Scorsese não apenas ilumina um capítulo sombrio da história americana, mas também desafia o público a confrontar a realidade contínua dessas injustiças. Se o filme será reconhecido no Oscar é secundário; sua verdadeira vitória é devolver dignidade e voz aos que historicamente foram silenciados.

Filme: Assassinos da Lua das Flores
Diretor: Martin Scorsese
Ano: 2021
Gênero: Biografia/Crime/Mistério
Avaliaçao: 10/10 1 1
★★★★★★★★★★