Ainda em cartaz nos cinemas e disponível em streaming, “Napoleão”, de Ridley Scott, oferece um espetáculo visual imersivo ao retratar o período de ascensão e reinado do imperador francês durante as guerras napoleônicas. Tão grandioso e extravagante quanto o próprio Bonaparte, o filme deslumbra com cenas de batalha magistralmente coreografadas, uma fotografia impactante e efeitos visuais que não apenas impressionam, mas transportam o espectador para o centro de conflitos épicos. É nesse território visual e técnico que Ridley Scott, ao lado do roteirista David Scarpa, constrói um épico de guerra cuja maior força reside em sua escala e estética, mas que, ao mesmo tempo, opta por um retrato superficial da complexa figura de Napoleão Bonaparte.
Por um lado, a obra é um triunfo técnico. Desde as sequências de combate até os detalhes dos figurinos e cenários, tudo colabora para criar uma experiência cinematográfica envolvente e de altíssima qualidade. Scott domina a linguagem do entretenimento épico, entregando um filme seguro de si e visualmente fascinante. No entanto, a profundidade narrativa, especialmente no que tange ao desenvolvimento de Napoleão como personagem, é consideravelmente limitada. Joaquin Phoenix, embora um ator de calibre inquestionável, encontra pouco espaço para explorar as camadas mais intrigantes da personalidade de Bonaparte. O retrato do imperador oscila entre o simplismo e a monotonia, o que acaba por reduzir o impacto de sua interpretação.
Além das batalhas, o longa dedica uma atenção especial à relação de Napoleão com sua primeira esposa, Josefina, interpretada por Vanessa Kirby. Aqui, a narrativa foca em um homem profundamente apaixonado, mas cujo verdadeiro compromisso é com a França e sua ambição de liderança. Kirby constrói uma Josefina enigmática, com uma aura que evoca a complexidade de uma Monalisa. Seus sentimentos por Napoleão permanecem indecifráveis: em alguns momentos, ela chora ao ser deixada por ele; em outros, o encara com uma frieza que beira o desprezo. Esse dinamismo traz um interessante contraste, mas a abordagem do filme não mergulha nas profundezas emocionais e psicológicas que essa relação poderia oferecer.
O roteiro, entretanto, negligencia uma oportunidade valiosa de explorar as contradições e nuances de Napoleão como figura histórica. Enquanto líder e estrategista, ele moldou não apenas a França, mas influenciou profundamente o cenário político europeu. Sua governança foi marcada por decisões altamente controversas, como a restauração da escravidão nas colônias francesas, que ajudou a enriquecer a França à custa de imensa opressão. Napoleão era um mestre em consolidar poder, mas seus métodos envolviam golpes e perseguições políticas. Embora alguns o vejam como herói, sua ascensão ao trono, consolidada com apoio militar e popular, foi também marcada por medidas autoritárias e tirânicas.
A narrativa do filme se inicia com uma dramatização da execução de Maria Antonieta, em 1793, colocando Napoleão como observador em meio à multidão. Historicamente, ele não estava presente, mas a escolha de Scott serve como uma metáfora poderosa para conectar Napoleão à queda da monarquia e à Revolução Francesa. Em seguida, o filme retrata sua vitória estratégica em Toulon, evento que catalisou sua ascensão meteórica ao poder. De líder militar a imperador autoproclamado, Napoleão soube capitalizar o caos político da época, mas suas complexidades, como inseguranças pessoais e seu narcisismo, são elementos que o filme apenas toca de maneira superficial.
Embora o longa apresente um espetáculo visual digno de aplausos, seu roteiro deixa a desejar ao negligenciar as camadas mais profundas da figura histórica. A personalidade multifacetada de Napoleão, seus dilemas internos e a tensão entre seu amor por Josefina e sua devoção à França são apenas superficialmente explorados. Apesar disso, “Napoleão” merece ser assistido, especialmente pelo impacto visual e pela grandiosidade com que Scott retrata as batalhas. Em termos narrativos, contudo, a produção carece da profundidade que um personagem tão fascinante e controverso mereceria.
★★★★★★★★★★