É um cabo de guerra. De um lado a possibilidade de descobrir um mundo inexplorado e altamente convidativo. Do outro, o aperto que machuca o peito dos que optam por voar para longe do lar. Quem decidiu — por apreço à liberdade ou por necessidade — construir uma vida a milhares de quilômetros da cidade de origem conhece bem os conflitos que permeiam essa escolha. Algumas vezes há prazer em abrir a janela e enxergar a avalanche de novidades que reaviva a alma dos que trilharam caminho em direção oposta à zona de conforto. Outras tantas, o coração pede colo, almoço de domingo com os pais, abraço apertado ao escurecer.
Aos 18 anos, durante as férias, coloquei uma mochila nas costas e segui entusiasmada para Florianópolis. Quando o ônibus passou pela ponte Hercílio Luz que iluminava majestosamente a Ilha da Magia, algo mudou dentro de mim. Era tudo tão lindo e encantador que eu só conseguia pensar: “um dia vou morar aqui”. Cinco anos depois, eu me instalava em um quarto alugado, localizado a vinte minutos da ponte. E a 1.500 km das minhas referências afetivas mais preciosas.
Depois de um tempo o novo local, obviamente, perde um pouco seu poder arrebatador. As ruelas exóticas se transformam em rotas corriqueiras, os sabores estranhos tornam-se familiares, o sotaque diferente é internalizado. Até em paraísos a rotina é implacável. Mas em territórios distintos daqueles em que nascemos e construímos boa parte do que somos sempre persiste uma singular inquietude, que impede que nos acomodemos em calmaria. Em contraditória sintonia, uma frequente sensação de festa e de dor expõe as maravilhas de descobrir um universo até então inédito e as agruras resultantes da falta do que ficou para trás.
Não sei dizer ao certo qual o gatilho que faz com que raízes sejam cortadas e asas acionadas. Quem decide partir carrega na mala coragem e anseios de encontrar, nas infinitas possibilidades que a vida oferece, ferramentas para reeditar a própria história. É como se houvesse a utopia de que só longe do berço pudéssemos crescer de verdade e preencher com aventuras espaços vazios. Há também os que atravessam oceanos em busca de chances negadas na própria pátria, enfrentando perrengues, desgastes e saudade. Em ambos os casos, há uma inexplicável força que nos faz olhar para a frente e uma inegável fragilidade que clama pelo chão seguro que só existe na casa da gente.
Nos álbuns de fotografia e nas conversas por Skype driblamos o desconforto deixado pelo último adeus. Há dias em que danço na praia e conheço pessoas que de outra forma jamais conheceria, enquanto a tarde passa arrastada e entediante na cidade de minha família, no interior do Brasil. O sol anuncia o quão empolgante a vida pode ser e penso em como tenho sorte pela escolha que fiz. Em outros momentos, a chuva molha a sacada de meu apartamento, sussurrando que meu lugar é perto das pessoas que mais se importam comigo.
Sigo dividida, refém do dilema que assola ciganos modernos. Sedenta por novos horizontes e saudosa do contato diário com amigos de infância. Agradecendo pelas minhas conquistas e lamentando pelas páscoas, aniversários e churrascos dos quais não participei. Convicta de que morar distante me fez maior e de que estar perto dos que amo me faz maior ainda. Como todos sabemos, não há regra. Não há certo e errado. A vida é mar e é porto. É imensidão e quarto aconchegante. É ir embora e regressar, ganhar e perder, somar e renunciar. É o mundo de braços abertos mandando continuar e o bolo quentinho da mãe chamando de volta.