A arte, ao longo da trajetória humana, surge como um refúgio necessário em meio ao caos e à brutalidade. Mesmo quando a civilização é envolta em sombras, o ato de criar traz luz e oferece um alívio essencial para a alma. Roger Scruton, filósofo britânico nascido em 1944, sabia bem dessa dualidade. Reconhecia, sem hesitar, a relevância do progresso industrial para superar dificuldades como a fome e a miséria, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial, que deixou cicatrizes profundas. Contudo, ao observar o avanço técnico e a rapidez com que o mundo se tornava mais mecanizado, Scruton lamentava a perda de uma beleza intrínseca, um sentimento que, uma vez dissipado, parecia não ter retorno. Essa percepção de que a modernidade sacrificava a simplicidade e o encantamento da existência humana se tornou uma constante em sua obra.
Scruton dedicou sua carreira a desvendar a verdadeira essência da arte e sua importância para a humanidade. Em um mundo historicamente pautado por conflitos, destruição e domínio de povos mais fortes sobre os mais fracos, encontrar e preservar a arte se revela mais do que um ato de apreciação, mas uma necessidade vital. A arte, em todas as suas manifestações, tem a capacidade única de captar tanto a beleza quanto a desolação, de transformar o que é sombrio em algo que ecoa no espírito humano.
Marcel Marceau, um mestre da mímica nascido em 1923, deixou um legado que transcendeu sua época. Em uma França que se preparava para resistir à escalada nazista, Marceau, ainda adolescente, encenava suas primeiras performances em pequenos teatros e cabarés. O cenário era sombrio: em 1938, enquanto Picasso imortalizava a tragédia de Guernica, Adolf Hitler fortalecia seu domínio sobre a Europa, projetando um futuro de violência e opressão. Com habilidade manipuladora, Hitler explorava a insatisfação alemã e se apresentava como um salvador austero, apoiado pelo talento de oradores como Joseph Goebbels, mestre em propaganda e manipulação. Foi nesse contexto de crescente medo e incerteza que Marceau começou sua jornada artística e, simultaneamente, de resistência.
Nascido Marcel Mangel e vindo de uma família judaica, Marceau nunca hesitou em usar seu talento para desafiar a opressão. Jonathan Jakubowicz, diretor de “Resistência”, buscou capturar essa faceta heroica do artista em seu filme, que se desenrola como um tributo às vidas salvas por Marceau e aos riscos que ele correu sem jamais portar uma arma. O trabalho de Jakubowicz reflete a importância de resistir a ideologias autoritárias, uma batalha contínua em um mundo que ainda enfrenta resquícios de tiranias disfarçadas.
Jesse Eisenberg, ao interpretar Marceau, não se limita a um retrato superficial. Ele entrega uma performance que vai além da encenação, mergulhando na complexidade do jovem artista que, com apenas 15 anos, já entendia o peso de viver sob ameaça constante. A narrativa de Jakubowicz é hábil em explorar as relações familiares de Marceau, com Karl Markovics dando vida a Charles, um pai cético e de temperamento duro, que representa a dicotomia entre pragmatismo e sonhos artísticos. A interação entre Eisenberg e Markovics oferece momentos que equilibram humor e tensão, ressaltando o desafio de persistir em meio à incredulidade e à adversidade.
A sombra da guerra perpassa a obra como um elemento sempre presente, mas raramente central, destacada em interações como a que ocorre entre Marceau e Klaus Barbie, interpretado com uma frieza calculada por Matthias Schweighöfer. Esse equilíbrio de personagens e cenários dá forma a uma história esquecida, de um homem que não apenas sobreviveu ao horror, mas o enfrentou com graça e engenhosidade.
A arte, como Marceau provou, tem o poder de inspirar e desafiar. Ela pode nascer nos tempos mais difíceis, resistir aos ventos da história e lembrar ao mundo que mesmo quando a brutalidade parece ter vencido, a criação humana persiste como um ato de resistência e redenção.
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