O amor, quando retratado nas telas, frequentemente surge com uma intensidade avassaladora. O cinema tem essa capacidade singular de amplificar as nuances das emoções humanas, transportando-as para um nível que o cotidiano jamais alcançaria. Nesse contexto, a experiência do dia a dia, em comparação, parece pequena, quase insignificante, quando confrontada com as grandes narrativas do cinema. Vamos explorar essa ideia.
Alain Resnais, cineasta francês de renome (1922–2014), enxergava o amor como um sentimento profundamente humano e, ao mesmo tempo, marcado pela tragédia. Em sua obra “Hiroshima, Meu Amor” (1959), com roteiro da aclamada Marguerite Duras (1914-1996), Resnais vai além da superfície de um romance convencional. A trama gira em torno do encontro entre uma atriz francesa e um arquiteto japonês em Hiroshima, mas desde o princípio fica claro que Resnais não tinha a intenção de narrar um romance que se desenvolve da forma tradicional. Não se trata de um início pautado apenas por atração ou sedução, cercado por paisagens idílicas e conversas à beira de lagos tranquilos. Ao contrário, o filme mergulha em um vínculo que, desde o início, está fadado a desafios intransponíveis, cativando justamente por essa natureza improvável.
A cidade de Hiroshima, marcada pela devastação, espelha os corações dos protagonistas: partidos, fragilizados, mas irresistivelmente atraídos pela promessa de algo mais. Ele e Ela — como Resnais os denomina — vivem presos entre a realidade e a ilusão, incapazes de distinguir o que é concreto do que é um devaneio. Em meio às obrigações de seus respectivos casamentos, a ideia de um amor pleno parece apenas um devaneio, mas ainda assim, é à fantasia que se apegam, porque ali residem as possibilidades de uma felicidade idealizada.
Décadas depois, o diretor britânico Roger Michell se aventura por um caminho semelhante em “Um Lugar Chamado Notting Hill” (1999). Aqui, o dono de uma pequena livraria, interpretado por Hugh Grant, tem seu destino cruzado com uma famosa atriz, vivida por Julia Roberts, que surge inesperadamente em seu estabelecimento no bairro de Notting Hill, em Londres. O roteiro, embora pontuado por situações previsíveis e pequenos desvios de lógica, se estabelece firmemente no território do cinema de entretenimento e é justamente essa característica que lhe confere charme.
Contrariando a melancolia de “Hiroshima, Meu Amor”, Michell abraça os clichês de um romance que é, desde o início, destinado a encantar. Os personagens de “Notting Hill” demonstram uma sinceridade inegável em sua busca por um amor real, mesmo que nascido de circunstâncias inusitadas. É essa autenticidade que o público percebe e valoriza, criando uma conexão imediata. Apesar de certos detalhes parecerem forçados — como o fato de um livreiro de meia-idade ser um grande admirador da atriz —, a surpresa de ver uma estrela do cinema visitando uma livraria de bairro é algo que os espectadores acolhem com entusiasmo, conferindo um toque de plausibilidade à narrativa.
O roteiro, por sua vez, é cuidadoso em evitar a solução mais fácil de cativar o público. O personagem de Grant, William Thacker, não se deixa intimidar pelo status da famosa atriz. Para ele, Anna Scott é, acima de tudo, uma mulher comum, e é precisamente essa abordagem que a atrai para ele. Essa dinâmica se diferencia de enredos onde os protagonistas inicialmente se repelem antes de se apaixonarem, como na clássica “A Megera Domada” de Shakespeare (1564–1616) ou na série “A Gata e o Rato”, dos anos 1980. Em “Notting Hill”, o amor surge naturalmente, e o desafio é apenas encontrar uma maneira de unir suas vidas.
O estilo de Michell, inspirado por uma elegância teatral, especialmente a que permeia a tradição britânica, confere uma leveza ao filme. “Um Lugar Chamado Notting Hill” é uma história de amor que ecoa o passado, sendo ao mesmo tempo encantadora e sutil. É um relato que celebra os romances memoráveis, aqueles que deixam marcas, independentemente de perdurarem ou não.
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